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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Desafio de escrita dos pássaros #3 Viver marca, encontrar-se dói

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Olhou para dentro de si e percebeu que tudo mudou,
Percebeu que a menina de outrora,
Doce, submissa e acolhedora,
Olhou para dentro de si e a si renunciou!

 

Marcou-a sentir que a alma de si fugia,
Que de si escapou e a si já não voltou.
Porque apesar de ser já gritante a sintomatologia,
Foi preciso cair ao chão. A menina se arranhou.

 

Deixou de querer brincar, a menina,
Renunciou às casinhas e aos brinquedos,
Renunciou à estabilidade e aos segredos,
"Deixou de ser séria, a menina!"

 

Então arrumou a sua casa e o seu coração,
Bateu a porta com dor mas sem exasperação,
Saiu sem caminho convenientemente delineado,
Buscou, a menina, com esperança o seu verdadeiro fado.

Tudo deixou para trás em busca do desconhecido,
Como se a vida por si só não fosse aventura suficiente,
E durante esse caminho enegrecido,
Foi colando as peças de si, resiliente.

 

E assim a menina que se perdeu,
E que certamente errou mais do que acertou,
Se foi encontrando por entre caminhos encalhados,
E abriu finalmente os olhos, outrora vendados.

 

E continuou a chorar e continuou a sorrir,
Que vida que se preze também tem muros a ruir.
E agora com a alma aconchegada, finalmente entendeu...
Essa menina que se olha no espelho e se perdeu... Afinal, era eu!

 

_______________

Podem ler este, e outros textos do Desafio de Escrita dos Pássaros, aqui.

Nem pareço eu...

 

No ginásio, inscrevi-me na semana passada para uma aula demoníaca que promete oferecer, após trabalho árduo, um bumbum digno de se olhar, e quiçá umas pernas a condizer. Não gosto propriamente de sofrer, mas gostava de ter um rabito mais rijo e umas pernas mais torneadas, então digamos que acho que vale o esforço e inscrevi-me uma vez mais na aula.

 

Antes de ir para o ginásio tive de fazer umas coisas e digamos que não tinha grande espaço de manobra. Passo ainda por casa para me trocar, porque estando numa altura do mês pouco facilitadora de mudanças de roupa em público, considerei mais confortável e chego ao ginásio em cima da hora, para a aula. Vou ao cacifo pousar as malas e constato que perdi o aloquete. Desesperada procuro o aloquete, mas zero notícias do dito. Atrasada corro para entrada do ginásio e peço para ir apenas ao carro deixar as minhas tralhas - porque o meu ginásio só permite entrar uma vez - vou lá a correr - "ao menos já faço o aquecimento" pensei - entro novamente no ginásio e constato que a aula já começou, não tenho água, não tenho caneleiras necessárias, disponíveis - pesos, para pôr nas pernas, para quem não frequenta o ginásio - para além de ter de percorrer toda a aula para ir buscar discos/pesos para o início da aula.

 

Numa outra vida, teria simplesmente saído do ginásio, perceber que aquilo era um sinal de que eu deveria era de ir para casa... Mas não, nesta outra vida eu fui, apesar de invadir uma aula que já tinha começado, e ter estado desde o princípio com sede e ter zero mililitros de água, para além de ter passado pela vergonha de ser a única aluna sem caneleiras nos tornozelos, passei por fraca e preguiçosa e ainda enfrentei  os olhares curiosos por ter uma garrafa vazia, e uma chave do carro por ali espalhadas no tapete.

 

As coisas que nós fazemos por amor ao corpo. Jesus, credo, canhoto!

Coisas de que me lembro...

O ano passado em Londres com uma amiga, fomos a um pub. Estávamos as duas doentes. Eu pedi um café e ela pediu-me ajuda para pedir um carioca de limão duplo. Como os ingleses são todos dados a esta coisa do chá, até pensei que fosse fácil. Mas não foi.

 

Pedi um chá de limão. Disseram-me que não tinham. 

 

Perguntei se tinham limões. E após resposta afirmativa perguntei se poderiam colocar uma casca de limão numa chávena e colocar água a ferver. Muito solícito o moço do bar, fez o que lhe pedi, ou mais ou menos vá, que colocou uma rodela inteira de limão na chávena. Quando chegou a hora de pagar perguntei-lhe quanto era e foi aí que concluí que nunca lhe deveriam de ter feito tal pedido...

 

It's just hot water and lemon... It's free! Enjoy!

 

Agradeci obviamente. Perguntou-nos de onde éramos e fiquei a imaginar as coisas fantásticas que ele imaginou dos portugueses e que coisas fantásticas bebem os portugueses em pubs... Sorte dos ingleses que não sabem que em Portugal um carioca duplo - a tal água a ferver e uma casca de limão! - custa o preço de dois cafés, caso contrário viam ali uma oportunidade de negócio.

Desafio de escrita dos pássaros #2 O amor e um estalo

 

Entrar na vida de uma pessoa é, entre muitas outras coisas, tirar-lhe espaço. Não é só tirar-lhe espaço do coração, que antes estava vazio e agora ocupado, mas é também tirar-lhe espaço das gavetas, das prateleiras da casa de banho, do balcão da cozinha...

 

Quem vê de fora parece que entrei de mansinho na vida do moço. Talvez tenha sido de mansinho... Foi aos poucos na realidade. Ao fim de uma semana estava a minha escova de dentes a ocupar-lhe o copo que até então era só dele, ao fim de um mês os meus produtos para o cabelo ocupavam-lhe toda a prateleira do banho e os meus cabelos espalhados pela casa obrigavam-no a ficar em casa à tarde para a aspirar - não sei se já vos disse mas ele é um pouco maníaco com a limpeza e organização. Ao fim de dois meses perdeu uma gaveta na cómoda, ao fim de três perdeu mais duas gavetas no quarto e uma terceira na casa de banho. À medida que fui ficando mais à vontade, sapatos e sacos do ginásio foram deixados espalhados pela casa - não sei se já vos disse mas eu não sou nada maníaca com a organização - e aos poucos o espaço imaculado do outrora macho alfa que não se prendia a ninguém, foi sendo abruptamente substituído por um espaço mais tolerante e condescendente. Roubei-lhe, horas de sono, tempo com os amigos, tempo sozinho.

 

Parece que entrei de mansinho mas entrei de rompante e ocupei o espaço que era dele, como se fosse meu. Não somos dois miúdos, e tínhamos uma vida muito diferente antes de entrarmos na vida um do outro... Por isso às vezes o amor é como um estalo. Um estalo bem no meio da testa. Violento. Que nos faz acordar e perceber que o espaço também é relativo. Só quando vês a tua casa tão cheia é que percebes como estava vazia. Gosto de acreditar que ele está feliz com esta invasão barbara. E foi também um estalo para mim, eu que achava que sabia muito sobre a vida e sobre relacionamentos e estou a aprender agora a ser mimada. Eu ocupei as gavetas outrora dele com as minhas tralhas, ele encheu as gavetas da minha alma com sorrisos e com dias cheios e felizes.

 

O amor e estes estalos são sempre precisos. Como os beliscões para acreditarmos que não é um sonho e que a vida está mesmo a acontecer!

Karma... Sobre o karma!

 

Eu devo ter um karma muito negro, demasiado negro. Só isso explica o facto de eu ficar sempre rodeada dos estranhos mais estranhos - passo a redundância - que podem existir num determinado espaço.

 

Então atentem.

 

Semana passada fui a um concerto. Até aqui tudo ótimo, fui ver uma vez mais o meu grande guilty pleasure e posso dizer-vos que o recinto, o Altice Fórum Braga, estava completamente à pinha, parece-me até que venderam demasiados bilhetes para o espaço que é - que não é muito grande. Uma multidão. Mesmo, a sério, estava mesmo uma multidão, sempre que me abanava ligeiramente tocava em quatro ou cinco pessoas. Ainda assim quem é que me calha mesmo ao lado? Um casal extra-mega-hiper-demasiado apaixonado! Acho muito bem que as pessoas se amem, se beijem, se abracem mas... Quem me conhece sabe que odeio demasiado mel em público, em casa, dentro das quatro paredes cada um que faça o que lhe aprouver, agora num recinto - a meu ver pequeno - apinhado de gente, a última coisa que eu quero ter é um casal ao lado que precisa do dobro do espaço porque se abraçam, se beijam, se amarram e fazem diretos constantes para Facebook. Para ajudar, ele pediu-a em casamento, ali mesmo no concerto apinhado de gente, onde provavelmente nem conseguiu ouvir a resposta da moça, e depois filmaram o anel e tudo o mais, em direto para o Facebook, num recinto apinhado de gente, não sei se já vos tinha dito! 

 

Oh Mula, não sejas assim, é tão romântico! Lamento, não é, ainda pra mais se eu vos disser que para além do recinto apinhado de gente, nós estávamos atrás do senhor que estava com o som e a filmar, ou seja, via-se... RUFEM TAMBORES!... 1/10 do palco - talvez até um pouco menos. Por isso, não é romântico pedir alguém em casamento num recinto sem espaço para tal e auto-filmar-se para o facebook filmando obrigatoriamente estranhos à volta. Digo desde já que se alguma vez for pedida em casamento nestas condições eu digo não e acaba ali logo a brincadeira. Uma coisa, é um num concerto, a moça - ou o moço, pois claro - ser chamada ao palco e a magia acontecer - é piroso, não gostaria de algo assim para mim, mas dentro do estilo de pirosice é algo aceitável - agora este género de pseudoromantismo alternativo é que não. Um redondo não.

 

Mas a coisa passou e eu fui à minha vida.

 

Entretanto... Recomeçou o meu curso de espanhol. Tinha tudo para correr bem, a turma passada era espetacular, a professora é incrível e tudo corria bem. Até que percebi que da minha antiga turma só vieram duas ou três pessoas - e nem são as pessoas com quem eu me dava melhor - e por sua vez vem um grupo praticamente novo de pessoas que se conhecem entre si. Mas até aqui, zero problemas que como sabem sou pessoa que se dá bem no seu canto sem ter que comunicar demasiado com pessoas estranhas. O problemas é quando ao segundo dia do curso um espécime estranho invade - literalmente - a aula. De boné na cabeça - não o tirou a aula toda! - e com ar alcoolizado, senta-se onde? Obviamente à minha frente! Sem me conhecer de algum lado, vira-se para trás, arranca-me as folhas das mãos e diz-me como se nos conhecêssemos desde a infância "Deixa-me copiar!" O que ele não sabia é que decidiu entrar a pés juntos com a pessoa errada e obviamente levou uma resposta suficientemente torta para pousar as folhas e virar-se para a frente num instante. Mas não posso negar que sou sensível as estas pessoas, e fiquei logo com o dia estragado. Numa turma com mais de 20 pessoas, vários lugares livres na sala e aquele espécime raro teve de se sentar à minha frente e começar a entrar logo a matar comigo.

 

Porquê gente boa da Mula? Que mal fiz eu para ter este karma estranho...?

 

É que depois vou para o ginásio e as coisas não melhoram...

 

Mas enfim! Por hoje é tudo não vá atrair mais azar aqui para o curral!

Livro: Os Comboios Vão para o Purgatório de Hernan Rivera Letelier

Depois d'A Contadora de Filmes, confesso que estava com as expectativas bastante elevadas face a este livro. Não posso dizer que desiludiu, mas é um livro bastante diferente do primeiro que li dele, quer a nível da captação da nossa atenção, quer através da forma como nos cativa, no entanto é inegável que é um bom livro e ao fim de algumas páginas aquelas personagens acabam por nos cativar e ficamos com vontade de conhecer mais e de avançar na história, que avança de modo muito lento.

 

 

Os comboios vão para o purgatório é um livro que conta a história de várias personagens que atravessam, numa viagem infernal de comboio, o deserto de Atacama, que liga o Chile ao Peru, considerado o mais seco do mundo. O comboio leva vários tipos de pessoas, todas muito diferentes e com histórias de vida muito diferentes, e à medida que o livro vai avançando vamos ficando a conhecer melhor cada personagem e os motivos que os levaram àquela infernal travessia. Temos um músico, Lorenzon Anabálon, que sofreu um desgosto de amor, uma mãe que perdeu o seu filho, uma outra mãe que carrega um bebé morto, uma criança que é violada, entre outras personagens com histórias de vida pesadas e sofridas. Muitos dos desfechos das personagens são apresentadas por Madame Luvertina uma vidente que apresenta os futuros - ou serão passados? - de vários personagens.

 

É um livro típico sul-americano, que lembra muito a escrita de Isabel Allende. Não sou fã, como já disse algures, de Isabel Allende, mas gosto bastante da escrita de Hernan Letelier, e talvez me cative por ter histórias tão fortes contadas em tão poucas palavras e em tão poucas páginas, que nos faz sofrer um pouco por antecipação. Henan Letelier consegue relatar com algum romantismo e leveza o sofrimento e a pobreza típica dos países da América do Sul e este livro não é exceção. É um livro que choca pela forma crua como nos é contada as condições a que são sujeitas aquelas personagens durante a viagem e mesmo as condições em que vivem, ou viviam antes da viagem. É um livro que ralata a dureza da pampa e dos acampamentos salitreiros, tantos deles já abandonados, e que mataram tantos jovens que tentavam procurar um futuro e constituir família. Apesar de tudo, é também um livro que nos conta e nos relata a pobreza e a imundice, com humor, ainda que com um toque constante de melancolia. São livros que nos deixam de coração apertado, não posso negar.

 

Gostei muito do livro, apesar de ter um "final"/desenvolvimento previsível. Mas como não é uma história de suspense, saber um pouco o que se retrata a viagem não tira a magia do livro. A viagem é uma viagem metafórica, uma viagem espiritual , onde um conjunto de almas penadas se encontram num objetivo comum e mais não digo para não ser spoiler.

 

Leiam, vale realmente a pena!

 

Alguém já leu? O que achou?

Coisas que se ouvem por cá... #23

... Ou simplesmente razões pelas quais os nossos pais não deveriam de ter Facebook!

 

Mãe: Sabes fazer um memorando? 

Mula: Um memorando?

Mãe: Sim um memorando...

Mula: Mas em que contexto é que queres um memorando?

Mãe: Para o Facebook!

Mula: Queres um memorando para o Facebook? Como assim?

Mãe: Sim, tenho uma colega que faz muitos memorandos no Facebook e eu gosto!

Mula: Porra! Mas o que é que ela faz mesmo?

Mãe: São uns vídeos muito engraçados, por exemplo só uns copos a mexer!

Mula: Um boomerang, mãe! É um boomerang!

 

 

Desafio de escrita dos pássaros #1 Problemas... Só Problemas

É porque está sol e é porque não está sol. É porque está a chover e porque não chove. É preciso que chova. Mas não pode chover demais... Ou de menos. É porque as temperaturas são demasiado altas, demasiado baixas, demasiado amenas. É porque é verão e porque é inverno. É porque já não há meias estações, ou porque as há em excesso. É porque está vento, ou porque não corre nem uma aragem.

 

É porque apareceu cedo demais, ou tarde demais. Ou simplesmente porque não apareceu, ou então porque apareceu. É porque anda demasiado rápido... Ou demasiado devagar. Ou simplesmente porque anda... Ou porque está apenas parado.

 

É porque quer ter filhos ou é porque não quer ter filhos. Se não quer casar... É leviana! Se quer casar... É só mais um carneirinho do bando!

 

É porque leva um decote demasiado acentuado e é banal, ou é porque é pudica e leva gola até ao pescoço. É porque usa roupa demasiado apertada, demasiado larga, ou simplesmente desajustada. É porque usa azul, ou amarelo, ou rosa.

 

É porque faz dieta. É porque come demais. Ou porque não come. Ou não come o que devia. É porque é demasiado alta, demasiado baixa, demasiado gorda ou demasiado magra.

 

É porque sim, e é porque não.

 

Vivemos numa sociedade perita em encontrar problemas... Só problemas... Em tudo!

 

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Este foi o primeiro texto do Desafio de Escrita dos Pássaros. Entretanto podem ler este e outros textos aqui.

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Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.