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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Diário de uma desempregada #3

Estar desempregada é estarmos constantemente à espera de notícias, boas ou más.

 

Uma particularidade do desemprego tal como no emprego, é que as boas notícias chegam à sexta-feira - para que se comece a trabalhar na segunda-feira - e as notícias más chegam às segundas-feiras. Creio que acontece por duas razões: Pela sensibilidade de não estragar o fim-de-semana ao pobre desgraçado que ainda tem esperança - #sóquenão - e pela possibilidade de ainda poderem vir a precisar daquele entrevistado, não vá o selecionado ter faltado e ainda precisarem de ir buscar indivíduos suplentes.

 

Relativamente à segunda situação, eu já me dei ao luxo de recusar trabalho, devido a esta falta de sensibilidade e bom senso. No tempo das vacas gordas, no tempo em que eu dizia "vou arranjar trabalho" e no mês seguinte estava a trabalhar. Lembro-me como se fosse hoje. Fui a uma entrevista para uma grande loja infantil da nossa praça, uma loja que faziam atividades com crianças e eu, que adoro crianças e até estava a tirar educação social, imaginei-me a trabalhar naquela loja. Fui à entrevista, passei à segunda fase. Fui às dinâmicas de grupo, passei à terceira fase. Na terceira fase começaram a esclarecer as condições salariais e eu a partir desse momento deixei de estar assim tão interessada, e por isso quando recebi por e-mail a informação de que NÃO TINHA O PERFIL para a função, apesar de ter passado as várias fases, não fiquei triste, ou chateada. Senti inclusive algum alívio, porque as condições eram realmente muito más, e olhem que eu já trabalhei naquela cadeia terrível de fast food. Uns dias mais tarde, ligaram-me muito simpáticos a dizer que tinham existido algumas desistências e que a minha candidatura tinha sido revista e que gostavam que eu fosse trabalhar para eles. Mau feitio como sou, e com facilidade em arranjar trabalho na época respondi pouco educadamente confesso: "Desculpe? Eu não tenho perfil para a função, palavras vossas, não minhas, por isso efetivamente não será possível aceitar a oferta uma vez que não possuo o que vocês consideram adequado e eu não quero colocar os recrutadores em causa!". A minha mãe arregalava os olhos perante a chamada, acho que até um pouco em pânico. Curiosamente, sempre que vou àquela loja verifico que há uma grande rotatividade de pessoal, e continuo a achar que não são os candidatos que não têm o perfil, a empresa é que não tem perfil para acolher trabalhadores convenientemente. Um mês ou dois depois, já estava a trabalhar. Belos tempos, esses.

 

Hoje em dia, obviamente, não seria assim. Hoje em dia, porque preciso efetivamente de um trabalho, meteria o meu mau feitio num saco, engoliria todos os sapos que houvessem para engolir e quase me ajoelharia perante a senhora a agradecer-lhe a oportunidade que me estava a dar. É incrível como tudo muda quando as circunstâncias são diferentes. 

 

Por isso estar desempregada é também engolir o nosso orgulho. É deixar de ter honra e poder de escolha. Não nos podemos dar a esse luxo, sim porque escolher um trabalho que nos satisfaça e nos respeita, é infelizmente, um luxo nos dias que correm.

 

Estar desempregada é também sentirmo-nos humilhados perante os nossos, mesmo que os outros não o façam com esse intuito:

 

 - "E então há novidades?";

 - "Ligaram-te?";

 - "Já sabes de alguma coisa?"

 

Quando a resposta é "já sei, não fui selecionada" a desilusão é evidente. Bem sei que não é por mal mas há sempre um olhar desmoralizado dos outros porque nós não conseguimos, nós não conquistamos, nós não fomos capazes. Acabamos por nos sentir também um pouco incapazes, um pouco inseguros e inevitavelmente acabamos a colocar a tónica em nós e não nos outros, porque uma coisa é certa e não nos podemos esquecer disso: São sete cães a um osso, por muito bons que sejamos, pode sempre existir melhor. Não tem de ser efetivamente por nossa exclusiva culpa, mas no fundo acabamos por desmoralizar. Acabamos a achar que se calhar estamos a colocar a fasquia demasiado elevada, e se calhar estamos a concorrer para ofertas para as quais não temos perfil. Às vezes queremos mudar, mudar para melhor, mas não temos perfil para isso.

 

É tudo uma questão de perfil... Alguém sabe onde se compram? Como se adquirem ou se arranjam esses perfis? Será que também dá para piratear na Internet como as músicas e os filmes?

 

Estar desempregada é... *

 

 

 

* Hoje faltam-me as palavras.

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