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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Livro: Se Isto é um Homem do Primo Levi

Já sabem que sou sadomasoquista, e que apesar de entrar num sofrimento que só visto, gosto de ler sobre o Holocausto. Assim e por sugestão da Uva Passa comprei e li o Se Isto é um Homem do Primo Levi, químico e escritor judeu italiano que foi levado para Auschwitz com apenas 24 anos, na noite de 13 de Dezembro de 1943 onde permaneceu no campo de trabalho até 27 de Janeiro de 1945.

 

 

Como o próprio autor indica logo no início, este livro "não foi escrito com o objetivo de formular novas acusações; servirá talvez mais para fornecer documentos para um estudo sereno de alguns aspectos da alma humana." Este livro não pretende, por isso mesmo, ser apenas mais um que descreve as atrocidades que os alemães eram capazes de infligir aos judeus nos campos de concentração, ainda que seja impossível não os referir, quando eram uma constante e os verdadeiros responsáveis pelo que de resto o autor descreve.

 

Primo Levi, focou-se bastante no outro lado da clausura, do que era necessário fazer para se sobreviver, e o que acontecia realmente quando não se sobreviva e de como os presos lidavam com a inevitabilidade de pertencer àquele campo. É um livro que pretende chamar a atenção para os comportamentos do homem quando submetidos a condições de extrema violência e de extremas necessidades. É por isso um livro, que é quase um manual de sobrevivência, sobre como ele, o Primo Levi, conseguiu sobreviver quando muitos não tiveram a mesma sorte, destacando como fundamental: a língua - acha que sobreviveu por entender um pouco de alemão - e a desumanização, ou seja, quanto mais ele deixasse de se sentir homem e pessoa, mais hipóteses teria de sobreviver, reforçando ainda que acha que apenas sobreviveu porque foi capturado numa altura em que os alemães precisavam de muita mão de obra tendo reduzido significativamente os extremínios. Primo Levi, segundo a história do Holocausto é assim um dos homens que mais tempo aguentou, e sobreviveu, a Auschwitz, cujo tempo de sobrevivência médio rondavam os 3 meses.

 

Acho que o que mais me chocou foi a visão otimista de Levi. Se não chovia, ele sentia-se com sorte, se chovia, mas recebia mais uma ração de pão, era outro ponto positivo. No fundo ele tentava encontrar onde mais ninguém encontrava um ponto positivo, de certa forma para se conseguir agarrar e sobreviver. Há inclusive uma entrevista onde ele vai contra o que era dito sobre a alimentação do campo, indicando que não achava o pão e a sopa más, que achava era pouco. 

 

Assistimos neste livro, a toda a desconstrução de alguém que acaba por se abandonar como homem, e no final, quando os alemães abandonam o campo devido ao avanço dos Russos - deixando-os à sua sorte sem qualquer comida - de novo a construção deste e de outros elementos, enquanto homens. É por isso um livro que pretende apenas relatar, não de um ponto emotivo mas histórico, o que por lá se passava e acontecia. Não é por isso um livro que pretenda apelar às emoções, ainda que seja impossível não sentir dor e revolta perante as descrições lidas.

 

O livro é realmente muito bom, no entanto a tradução tornou o livro um pouco difícil de ler. Tem demasiados termos, falas e expressões em francês e alemão, que dificultaram a compreensão. Acho que mesmo que quisessem manter a estrutura original, que uma nota com a tradução faz alguma falta.

 

Este é mais do que um livro, é um relato de coragem. A coragem de um homem que passou mais de um ano num campo de concentração em trabalhos forçados, que conheceu muita gente capaz de tudo para sobreviver, e que em 1958, 13 anos depois, falou e escreveu sobre isso com uma frieza de quem apenas ouviu o que por lá se passava mas que não passou por, prova da desumanização que Levi relata como essencial à sobrevivência.

 

É descritivo e um tanto violento por isso não deve ser lido pelas pessoas mais impressionáveis, mas se tiverem oportunidade, leiam!

 

Boas Leituras!

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Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.