Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Desafio de escrita dos pássaros #16 Não entendo nada disto

Sobre a vida adulta: Ainda não entendi o que é para fazer

 

 

Disseram-me que crescer era trabalhar, casar, ter casa e carro, ter contas para pagar e decisões a tomar. Então eu cresci - essencialmente para os lado -, arranjei trabalho, casei, comprei casa e carro e contas era o que não faltavam para pagar. E assim vivi. Cresci cedo, muito cedo, ainda sem o peso da responsabilidade do que era ser um adulto. Aprendi on job, sem espaço para formação ou worshops. Não aprendi, fui aprendendo à medida das necessidades. Não vivi, fui vivendo à medida das possibilidades. Não amadureci, fui amadurecendo à medida das obrigatoriedades. Fiz tudo o melhor que sabia, com as ferramentas da infância e da adolescência, cresci o melhor que consegui. Fui caminhando sem saber muito bem por onde estava a pôr os pés. Caí tantas e tantas vezes, cometi tantos e tantos erros e tantas vezes os mesmos. A verdade é que ninguém nos diz o que fazer ou como fazer. Não há formulas mágicas, ou certas e definidas. Mas defini objetivos, tracei planos.

 

Mas os objetivos não se cumpriram e os planos saíram furados. Deixei de ter casa própria, descasei-me e regressei ao quarto de infância, as contas reduziram-se para metade - haja alguma coisa boa na regressão! - e as decisões... Tantas que foram adiadas... Fiz e desfiz e continuarei a fazer e a desfazer enquanto não entender o que é para fazer.

 

Tomar decisões parece cada vez mais difícil, com os anos. Não deveria de ser ao contrário? Com o tempo, decidir, não deveria de ser mais fácil? Não deveríamos de ganhar prática? Mais traquejo?

 

Quando era mais nova, já tive um livro carregado de texto, bem escrito, definido.

 

Neste momento sinto que tenho um livro de rabiscos...

 

Não, definitivamente ainda não percebi o que é para fazer... E sinto que conduzo esta pseudo-adultez de modo cada vez mais atabaolhado.

O tempo nas relações

O tempo é dos fatores mais importantes das relações, é este que predita, em certa medida, o que vamos desejando do outro, o que vamos valorizando que o outro valorize em nós. É o tempo, no fundo, que determina em que tempo estão as relações.

 

Exemplificando...

 

Inicialmente, ainda antes de existir relação, desejamos que o outro olhe para nós e goste do que vê. Suspiramos por uma troca de olhares e uma simples mensagem é suficiente para nos pôr em polvorosa. Quando já há uma relação, olhar só não chega, é preciso ação, uma mensagem só não chega. Não é prova suficiente que continua interessado em nós se apenas nos mandar uma mensagem pela manhã e depois ao longo do dia nunca mais nos dirigir palavra, seja escrita ou por voz. "Já está noutra" pensamos. Se pelo menos 1258 mensagens não nos forem dirigidas ao longo do dia, no início das relações, achamos que já não estão interessados, é porque têm outras prioridades. Mas se já é uma relação estável, então essas 1258 mensagens já são demais. Já se está junto à demasiado tempo para existir tanta paixão, tanta ansiedade. 1258 mensagens são controlo, são desconfiança, são... Maçadoras.

 

Inicialmente, ainda antes de existir relação, imaginamos como será servir-lhe um jantar romântico, o que ele gostará, e se estaremos à altura das suas preferências gustativas. Quanto já há relação, no início, preparamos-lhes os seus pratos favoritos com vontade, à espera de um elogio e ele leva-nos o pequeno-almoço à cama com uma flor no canto do tabuleiro. Sumo de laranja, croissant e café. É assim nos filmes. É assim na vida real... Mas só no princípio da relação. Com o avançar do tempo, as relações esfriam, e o café já está frio, o sumo de laranja já perdeu a vitamina C e o croissant já não está comestível. Cada um prepara o seu pequeno-almoço - quando o preparam - e à noite já há discussão sobre de quem é a vez de preparar o jantar. Já não há entusiasmo em preparar o que o outro gosta. 

 

No início das relações, namoramos o tempo todo, vamos ao cinema e nem vemos os filmes, enrolamo-nos no sofá durante horas com a televisão ligada sem prestarmos atenção ao que lá dá e os gostos parecem comuns. São comuns no fundo porque ninguém está a prestar atenção. Com o avançar do tempo nas relações, parece que os gostos já não são bem os mesmos, e então acaba um a ver futebol na sala e outro a ver a novela no quarto. Com o avançar das relações deixa-se de ceder, porque afinal já se está junto, já não é preciso agradar para conquistar, aparentemente já se está conquistado.

 

Devido a tudo isto, facilmente conseguimos perceber que o ser humano é um bicho cuidadoso, que não tem, por hábito ou natureza, exigir mais do que é suposto, ninguém exige - acho eu - ser pedida em casamento logo no primeiro encontro, nem que o homem cozinhe e aspire na primeira visita a casa. Eles e elas vão em pezinhos de lã até existir um tempo em que já é permitido desapertar o botão das calças, alargar a gravata e respirar. O encanto dos primeiros olhares já terminou e já não é suficiente que o outro nos admire só, que nos ache bonitos ou bonitas. Importa sim que nos respeitem, que nos oiçam, que nos compreendam, que nos ajudem em casa, que nos ajudem fora de casa.

 

No fundo a vida real é um jogo tipo Sonic, mas em ato continuum, em que vamos passando de nível, e em cada nível há novas exigências. Quando essas exigências não são superadas, não conseguimos avançar de nível. A estas relações que não evoluem, chamo-lhes de relações enguiçadas. E no fundo estão só à espera que apareçam um daqueles ouriços-cacheiros - como no Sonic, que o faz perder todas as argolinhas - para deitar tudo a perder. E quando pela segunda vez o Sonic se encontra com o ouriço, o que é que acontece? Temos de recomeçar tudo de novo. Assim também o é nas relações. Há relações que quando ameaçadas pelo ouriço, pelo bicho mau da separação, que se reconstroem, que reiniciam o nível e tentam fazer algo de diferente, para não caírem novamente na mesma armadilha.

 

Mas há relações que não resistem a cometer os mesmos erros, porque as pessoas simplesmente não estão preparadas para fazer diferente, ou simplesmente porque não querem fazer diferente. Por isso, há relações que não resistem ao tempo, e que no fundo ficam só à espera que o tempo as resolva por si só... Porque dizem...

 

... O tempo cura tudo.

 

Será?

Sobre a morte... Sobre o amor...

Sempre pensei que tinha medo de morrer. Não na adolescência, que aí desejei morrer algumas vezes e essa ideia não me assustava, de todo. Mas vivi uma grande parte da minha vida com medo de morrer. Não pelo medo de sofrer, mas pelo medo de simplesmente deixar de existir.

 

Lembro-me bem, quando aos 6 anos de idade, engoli pela primeira vez uma pastilha elástica, e que por isso, estava convicta que tinha apenas umas horas de vida. Não chorei, não contei à minha mãe nem ao meu pai. Estava no entanto apavorada. Sentia, apesar de tenra idade, que iria perder tanta coisa, coisas de adultos, que ainda não sabia o que eram, mas cuja curiosidade me assaltava constantemente. Lembro-me de dizer à minha mãe, muito triste, que não queria brincar mais e que queria ir dormir. "Mas tu já não dormes a sesta..." disse-me ela. Pois não... mas naquele momento eu queria ir dormir para aquele tormento passar rápido. Lembro-me de tentar dormir e de não conseguir, de pensar que esta coisa da pastilha elástica se colar à garganta e nos sufocar que era demorado para caramba, e eu estava quase era a morrer de desespero por nada acontecer... Depois, lembro-me que me esqueci que ia morrer, quando o meu pai chegou nesse dia a casa com um brick game. É bom ser criança, os problemas valem o que valem...!

 

Depois passei a ter medo de velocidades e de tudo o que era radical... Fico sempre com a sensação que algo vai correr mal e me vou espatifar toda... Descubro assim, quase aos 28 anos, que não tenho afinal medo de morrer. Tenho sim, medo de sofrer, e medo que as pessoas e animais que me rodeiam morram, porque isso me faz sofrer. Descubro por isso que o meu medo da velocidade, dos desportos malucos, não vem do medo de morrer, mas do medo de me espatifar toda mas ainda assim sobreviver, e ficar entravada para todo o sempre. Ou então estar acompanhada por quem amo e a outra pessoa não sobreviver. "Sofre quem cá fica" foi sempre o que ouvi dizer.

 

Paulo Coelho diz num dos seus livros, não importa agora para o caso qual, que queremos viver para sempre para convivermos mais um dia com a pessoa que amamos, e eu concordo totalmente. Quando mais pessoas não nos restarem, então só nos resta aguardar que esse bicho de negro e de capuz nos leve... e imagino, que a ideia de morte nos deixe de apavorar.

 

Seria por isso mais fácil viver sem amor? Sem essa glândula, sem sentimentos? Não diria que seria mais fácil, diria que se isso não implicasse a perda de respeito pelo outro, que a vida seria menos penosa. As pessoas, os animais, as plantas... morriam, enterravam-se e ponto final. Sem dor, sem lágrimas, sem pesares. Se o amor fosse uma glândula, cada pessoa poderia escolher como queria viver: com o coração, ou com a cabeça. Eu escolheria a cabeça! Sempre vivi com o coração e isso não me tem trazido grandes alegrias. Vejo, no entanto cabras e cabrões sem sentimentos nem coração a pavonearem-se emproados.  Escondem o que sentem? Pois é possível, mas no fundo convivo com a ideia que não, que são mesmo assim.

 

Perder-se-ia o encanto de viver? Perder-se-ia pois, mas se calhar existiriam outras coisas, outros encantos. Não haveria casamentos - não que isso implique o amor... - mas também não existiriam divórcios - porque o que não existe nunca acaba. As relações de amizade basear-se-iam na confiança, na lealdade e no respeito, basear-se-iam na moral, não no amor.

 

Acho que assim seria mais fácil viver... e morrer!

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.