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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

A Mula em versão lapa

Sou muito galinha com as minhas gentes. Acho que um dia os meus filhos vão sofrer com isso, por agora sofre apenas o Mulo. "Estás bem?"; "Precisas de alguma coisa?"; "Queres mais uma almofada?"; "Olha os medicamentos..." Assim é a Mula. Chata, chatinha que dói. 

 

Ainda assim, e respondendo a algumas pessoas que me têm questionado, sim a Mula internou-se com o Mulo, ainda que a pedido do próprio, por isso acho que no fundo, no fundo, lá bem no fundinho, esta Mula em versão lapa é até apreciada. É a segunda operação a que ele se submete - há três anos realizou uma nucleólise do disco por mistura de ozono na coluna, não tem sorte com a estrutura óssea... - e é a segunda vez que me interno com ele.

Acho que tenho trauma de infância. Quando era miúda fui internada duas vezes, três dias cada vez em dois anos diferentes e ficar sozinha ali no hospital duas noites, fez-me chorar um bom pedaço, não por birra, mas por solidão. Sempre fui muito avessa a estar sozinha e isolada. Nunca deixaram a minha mãe ficar comigo. Nos hospitais públicos isso não é possível. Fiquei sozinha, assustada, com medo de não acordar da anestesia e fiquei ainda mais assustada quando acordei da anestesia e percebi que estava no quarto com mais três bebés que choraram e berraram dia e noite. Ali dormir só os mais fortes conseguiam. Não houveram fortes. Não gostei, de todo, de ficar ali sozinha. Com apenas oito anos, senti-me totalmente abandonada e não compreendia porque a minha mãe ali não ficava comigo. Eu sabia que ela não podia, só não compreendia.

 

Quando o Mulo teve a intervenção à coluna há três anos atrás, fiz questão de ficar com ele, até porque não se poderia mexer para nada durante 24 horas. Dei-lhe de comer, ajudava-o com as necessidades básicas, ajudei-o a beber, cheguei-lhe coisas e acima de tudo fiz-lhe o que mais ninguém de um hospital - mesmo do privado - lhe pode fazer: fiz-lhe companhia, fi-lo rir, e nunca o deixei um segundo sozinho. Agora não foi diferente. Apesar da mobilidade estar menos condicionada, a verdade é que um doente precisa sempre de muito mais do que os hospitais podem oferecer. Dormi mal - quase não dormi -, estive alerta toda a noite, mas estive ali para o que fosse preciso. Bem sei que não era uma operação muito delicada, mas se existe a possibilidade de ficar lá com ele, porque não? Ficarei sempre que me for possível e ele ali me quiser.

 

A senhora da conservatória não disse na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza mas há coisas que não precisam de se ouvir para se sentir!

 

Sou uma Mula-Lapa com muito gosto e espero que um dia que seja ao contrário ele também esteja lá do mesmo modo que eu estive.

 

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.