Amnésia seletiva
Às vezes acho que sofro de amnésia seletiva. Tenho tendência para apagar da memória tudo o que é mau e guardar num local quentinho do coração o que é muito bom. Os intermédios vão-se perdendo.
Eu que nunca me dei bem com o meu pai, tenho tendência desde a sua morte, a esquecer tudo aquilo que nos afastava e a reter o pouco que existia de bom entre nós. Às vezes dou por mim a pensar que fui demasiado cruel - quando não fui - por me esquecer do mau, de tudo o que me fez passar e sentir.
Não que seja mau relevar o que não interessa, mas às vezes também me tolda a visão e faz-me viver no passado, agarrada às memórias, que às vezes conseguem ser bem dolorosas.
Ao reler a publicação sobre o fim da minha relação - obrigada Sapinho, desde já, pelo destaque - fiquei com a sensação de que transmiti que correu mais mal que bem e isso não é verdade. Houve uma altura em que estivemos muito bem, pela minha optica pelo menos, não sei se perguntando ao moço ele concorda, mas acho que sim, e dou por mim a relembrar os tempos em que ele aparecia por 5 minutos num dia em que não havia tempo para mais... Ou quando vinha com o carro dele seguindo o meu até eu chegar a casa segura. Lembro-me bem de cada bilhetinho que me deixava de manhã a desejar-me um bom dia e de quando me levava sempre atrás, mesmo quando saía com os amigos. Claramente ele gostava da minha presença e fazia questão de passar o seu tempo livre a meu lado. Com o tempo isso perdeu-se. Essencialmente porque eu tanto reclamava que precisava do meu espaço e do meu tempo. Tanto reclamei que ele mo deu, mesmo quando eu já não o queria. Fomos nos afastando... Aos poucos. Quando dei por isso... Já não havia muito mais a fazer. Tentei lutar, tentei-lhe demonstrar que estava seguro do meu lado. Que estava bem, que me fazia feliz... Mas acho que nunca acreditou realmente e relembrava-me constantemente tudo o que de mau lhe tinha feito, e dito, apesar de querer que essas palavras e atitudes ficassem lá atrás... No passado. Mas ele foi sempre trazendo para o presente. Isso nunca é bom sinal.
Colocando tudo em perspectiva sei que abdiquei de muito para podermos seguir juntos e acho que isso ele nunca valorizou realmente... Talvez como eu, lá atrás, no passado, não tenha valorizado inteiramente tudo o que de bem ele me fazia.
Dizem que quando uma relação não resulta é sempre culpa das duas partes e disso não tenho dúvidas: remamos os dois para que este barco não andasse, primeiro eu, depois ele, e quando se rema sozinho o barco não sai do lugar e só anda às voltas sem terra à vista.
Quando penso na vida - agora tenho bastante tempo para isso - consigo apontar as falhas de cada remada, mas nas memórias do dia-a-dia, naquelas inconscientes e incontroláveis, só me lembro do bem, do amor que tanto tentámos construir apesar de falharmos.