Cuspir para o ar
É muito fácil cuspir para o ar. Apontar o dedo. Ridicularizar. Gozar. Criticar. É fácil porque não falamos de nós. Falamos dos outros, do que não sentimos, do que não vivemos, do que não compreendemos. Deixemo-nos de falsos moralismos. Todos nós já o fizemos e todos nós o fazemos diariamente, por palavras, por revirar de olhos, por indignação. Consciente ou inconscientemente todos nós já gozamos ou criticamos alguém, e já apontamos o dedo a alguém. Que atire a primeira pedra quem nunca cuspiu para o ar.
Mas se é fácil cuspir para o ar, mais fácil ainda é cair-nos em cima. E sem contar, sem querer, sem perceber, de repente vemo-nos em situações que anteriormente condenávamos, que anteriormente estaríamos em primeira fila a apontar o dedo, envergonhados, apesar de meros expectadores. Mas... E quando somos nós, agora, no palco? De holofotes revirados facilmente percebemos que fácil é criticar e apontar o dedo, difícil é perceber como é que as coisas mudam tão rapidamente. E é aí que percebemos que há uma finíssima linha que separa o correto do incorreto. O certo do errado. O bom do mau. O ético do deplorável. E temos vergonha de nós. Porque a finíssima linha é tão fina que tropeçamos no turbilhão da vida e passamos para o outro lado sem vermos, sem darmos conta. Estamos tantas vezes do outro lado e nem damos conta... Quando damos conta, já estamos de tal modo emaranhados que já não há fuga possível.
E passamos a ser piores pessoas por isso? Passamos pois! A finíssima e ténue linha que separa o bom do mau, o correto do incorreto, é também a finíssima linha que separa as boas pessoas das más pessoas, os fracos dos fortes, os justos dos corruptos... Pode não haver maldade nas más ações, mas a inocência da transgressão não é desculpa ou justificação para alguém que comete algo que é errado.
Mesmo quando somos os únicos prejudicados? Mesmo quando somos os únicos prejudicados...
Fortes são aqueles que vêm a linha, têm curiosidade do que está para lá da finíssima linha e mantêm-se firmes.
Eu descobri que sou fraca.
Cuspi para o ar e caiu-me todo um oceano em cima!