Da tua ausência #1
Dia 1
Vivi o dia de ontem na esperança de ser só um pesadelo, que hoje iria acordar e que estava tudo igual a sempre, que irias estar comigo, como sempre enrolado na minha barriga... Não dormi, por isso talvez ainda não tenha acordado deste pesadelo horrível.
Não consigo habituar-me à ideia de que já não estás comigo, como sempre. Continuo a pensar "tenho de tapar isto para o Mimo não comer...", "tenho de abrir esta porta para o Mimo poder passar" e hoje de manhã até te ouvi miar... feita estúpida procurei-te, como se fosse possível encontrar-te. É nestas alturas que descobrimos que de adultos temos muito pouco, e de irracionais temos mesmo muito. Eu não podia ouvir-te porque tu não estavas cá... mas eu ouvi-te, ouvi-te e procurei-te. Como prova de que irracional é coisa que eu não sou, é que ainda tenho esperança que me liguem do hospital e me digam que houve um milagre. Tu eras um gato tão especial... porque não acontecer uma coisa especial? Provavelmente o teu corpo já nem existe... e eu a pensar que ainda vais saltar daquela marquesa gelada onde te deitaram, e miar irritantemente como só tu sabias... Ainda está tudo igual, podes voltar, que ainda tens a tua taça da comida e da bebida no mesmo sítio... O teu mano também sente saudades, procura-te em todo lado.
No fundo ainda estás em todo o lado, os teus pelos continuam cravados na minha roupa, no sofá, nas cadeiras de pano, nos lençóis... só que hoje não te ouvi a lamber a almofada, nem senti as tuas patinhas a cravar-me nos braços, nem te senti enroscado na minha barriga. Sabes? Acho que já não sei dormir sem ti, continuo a estender-te o braço para pousares a cabeça e a dobrar as pernas para te encaixares.
Fizeste parte da minha vida ao longo destes 7 anos, 1 mês e 8 dias, não tinhas o direito de desaparecer dela assim sem avisar. Mas porque raio não és tu um gato normal? Que adoece antes de morrer... que perde o apetite antes de morrer, que fica molengão antes de morrer! Mas não! Até nisso foste diferente. Minutos antes tinhas feito o mesmo de sempre... corrido comigo pela casa, dado as turrinhas violentas que só tu davas... Mas tudo mudou.. e eu sinto-me culpada porque não te consegui socorrer... tu tinhas confiança em mim, eu deveria ter conseguido te salvar. Não consegui... desculpa!
Pergunto-me se eu não tivesse vindo para casa e tivesse trabalhado o dia todo se hoje ainda estarias comigo... Gosto de acreditar que sim, e isso ainda me faz sentir ainda mais culpada.
Às vezes sinto-me um monstro! Quando morreu a minha avó, eu sofri, mas não desta maneira... Quando morreu o meu pai eu sofri, mas longe de ser desta maneira. Tu vieste e ocupaste um lugar demasiado grande no meu coração e deixaste-me sem qualquer aviso prévio, arrancaste o meu coração com as tuas garras, sem dó nem piedade. Deve ser por isso que dizem que os gatos são selvagens e não têm sentimentos, como os cães. A minha cadela antes de morrer, avisou... Sim... deve ser por isso.
Mas também diziam que os gatos são independentes... tu nunca o foste! Independência não fazia parte do teu vocabulário. E hoje descubro que não eras o único dependente desta casa... eu também era.
Hoje está a ser horrível, amanhã provavelmente será melhor... Mas uma coisa é certa, ficarás para sempre no meu coração, gravado como lapa, como só tu sabias ser...