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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Desafio | Passa-Palavra #Água - Texto da Maria

A Mula, que é uma desnaturada, ainda não escreveu sobre a palavrinha da semana, mas deixo-vos com o texto da Maria, que está fantástico!

 

A ver se me inspiro!

 

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Tinha o corpo estendido, deitado de costas no sofá, um braço sobre o peito e o outro braço sobre a testa, de modo a tapar-lhe os olhos.

A música ambiente num sussurro, de uma daquelas rádios que de madrugada passavam músicas profundas, com significados que durante o dia não atingíamos por haver tanta distracção.

Everybody hurts, dos R.E.M.

Tão apropriado, "everybody hurts sometimes, everybody cries". A música de fundo para o rio de lágrimas que deslizavam dos seus olhos para se perderem dentro do encosto do sofá.

O sono há muitas horas disperso pela mágoa. Como podia ter estado tão alheado, ter sido tão cego? Todas as pistas à sua frente nos últimos meses, os atrasos mal explicados, os telefonemas em surdina. Só ele não tinha percebido.

E a rádio, parecia que estava de conluio, agora a passar Cry me a river na voz quente e sedosa de Diana Krall.

Não se lembrava de chorar, há anos que não acontecia, sempre tinha pensado que o faria quando visse o seu filho recém-nascido mas isso não tinha acontecido, agora entendia porquê já que naquela união apenas ele tinha sido honesto, sincero.

Chegara a casa dois dias antes do previsto depois de uma semana de trabalho em Berlim e com a ânsia de a ver decidira uma surpresa, entrar em casa em silêncio e envolvê-la nos seus braços,  passarem algum tempo só para eles sem mais ninguém, sem compromissos com amigos ou familiares. Ficar todo o fim-de-semana pela cama e pelo sofá, ler, ouvir música, os corpos encaixados um no outro. Precisava do seu cheiro e queria retornar aos tempos em que os olhares bastavam, a cumplicidade dos sentimentos tão claros, tão profundos.

Quanta mágoa podia uma pessoa suportar?

Sabia que aquela era a pior altura e que passado o choque da descoberta dos dois corpos entrelaçados na cama que devia ser sagrada... tinha sido uma dupla traição, neste momento nem sabia qual a que lhe custava mais, se a dela, com quem estava há apenas três anos, se a do seu irmão, que conhecia desde que tinha nascido, há trinta anos.

De quando em quando as letras das músicas a fazerem-se ouvir. I'll be needing stitches, o refrão de um cantor daqueles quase instantâneos. A música não o estava a ajudar, quase que o fazia afundar mais no desgosto ou era coincidência que naquela madrugada todas as canções pareciam saber o que ele estava a sofrer?

Nunca tinha pensado nisso mas era provável que houvesse uma canção para cada estado de espírito. E para quem tinha levado com um balde de água fria, não, com um mar revolto de infidelidade, aquelas vinham todas a calhar. 

 

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Desafio passa-palavra criado pela Mula e pela Mel. Todos os domingos e durante - para já - oito semanas, sairá uma palavra para vos inspirar a escrever sobre ela. Quem quiser é livre de se juntar a nós, sem compromissos ou prazos apertados. Escrevam, porque escrever liberta a alma. A quem participar nos seus blogs, aqui as meninas pedem apenas que nos identifiquem nas publicações, para podermos ir ler-vos e comentar-vos! Bom desafio a todos o que connosco embarcam.

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Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.