Estações, caminhos e paralelos
Eu só queria voar, encontrar bom poiso e do ninho cuidar. No verão colher flores ao pôr-do-sol, girassóis, como eu gosto, para me fazer lembrar sempre onde está a luz. No inverno ouvir o som da chuva a bater nas vidraças, o vento e os trovões que me fazem sempre encolher como criança. Talvez também uma manta nas pernas e um bom livro enquanto a madeira crepitaria um pouco mais ao fundo.
No outono, queria apenas olhar pela janela e ver as folhas castanhas e secas caírem, para meu deleite, enquanto esperaria o chá arrefecer. E na primavera ver florir as árvores de fruto, colher alguns talvez para comer pela manhã, frescos, sumarentos. Condizentes com a minha alegria e gratidão por uma vida feliz.
Mas é chuva o ano todo, trovões e ventos fortes. Sou tantas vezes levada por uma corrente que não desejo, e caio tantas vezes um poço que não vejo. E quando me tento levantar e puxar-me por aquela corrente brilhante que ali se estende perante mim, cujos meus olhos brilham e o meu coração acelera... É uma corrente solta, sem apoio ou gancho no topo do poço. E lá estou eu de novo em águas lamacentas, sem girassóis, sem o chá quente, a manta nas pernas ou os frutos acabados de colher.
Não é possível que seja tão azarenta. Não. É mesmo burrice. Nunca fui boa a ler mapas, e mesmo os GPS's não me vieram ajudar a escolher caminhos estáveis e de bom piso para correr. Sempre o piso em paralelo com o musgo húmido e até talvez óleo derramado. Joelhos no chão. Sempre de joelhos esfolados e calças rasgadas. Sempre a cair nas mesmas armadilhas. Teria até pena se não fosse culpada. Teimosa que só eu para dar as mesmas marradas sempre na mesma parede, ou em paredes diferentes mas com o mesmo tipo de estuque.
Penso às vezes que poderia mudar de campo, ver outras flores, ouvir até outro idioma, ir com a minha mochila carregada de aprendizagens à descoberta e acima de tudo em busca do meu ninho, do meu poiso feliz. Mas depois lembro-me que recomecei jornadas vezes sem conta e nem por isso reescrevi um final diferente. Mudar o campo não é mudar-me e por isso os joelhos que não saram ficarão sempre esmurrados. Crostas por cima de crostas.
E eu só queria estações felizes, caminhos planos e quiçá alguns paralelos que também são importantes...
Em vez disso, a primavera é apenas a pior estação do ano que me põe doente, o verão é apenas a estação do ano que me altera as tensões e me deixa sem energia, o outono é apenas deprimente... E nem falemos no inverno, já que é nele que vivo sempre.