Excerto...
"Acordo todas as manhãs com este zumbido e a certeza que não vais voltar. Cansada de me convencer que, apesar e acima do teu individualismo estava a tal inevitabilidade a que nos submetemos e chamamos amor. Pensei que, com todo o amor que sentia por ti te iria suavizar o coração e de alguma forma fazer parte do teu equilíbrio, tornando-me subtilmente indispensável. Hélas. Nunca pensei enganar-me tanto. Mas só agora percebo que o teu amor por mim não foi uma inevitabilidade, mas uma escolha. Alguém que te chamou a atenção e que um dia decidiste que querias atravessar, com a intuição certeira de um animal selvagem que procura refugio temporário, quando está cansado. Sei que não vinhas a fugir de nada, nem à procura de coisa nenhuma. Mas acho que quando eras pequeno te arrancaram uma parte de ti, e desde então ficaste incompleto e perdeste, quem sabe talvez para sempre, a capacidade de adormecer nos braços de alguém sem que penses no perigo de ficar na armadilha do carinho para todo o sempre.
Não, o teu amor por mim, volto a dizê-lo, não foi uma inevitabilidade, mas uma escolha feita com a leveza e a frontalidade com que fazes tudo na vida. Por isso te foi tão linear - e repara que não escrevo a palavra fácil - escolher outro caminho.
Mas não foi assim para mim. Entraste a 200 à hora na minha vida, e quando te vi pela primeira vez a passar a porta da minha casa onde viveste quase um ano quase todos os dias, deixei-me levar por essa inevitabilidade, submetendo-me a tudo o que depois se seguiu, e chamando-lhe amor. Um amor total, gratuito, despojado, com o corpo, a cabeça e o coração todos enterrados lá dentro."
Margarida Rebelo Pinto (2002) in Alma de Pássaro
O último post do Crónicas de um café mal tirado fez-me recordar o meu excerto preferido, de um dos livros que devorei do principio ao fim. Foi o primeiro, ainda não sabia que as histórias se iriam repetir, e repetir, e repetir pelos restantes livros. Eu não sabia, e este foi o primeiro. E adorei. Quando o li, sofria por um amor assim, talvez por isso, me tenha feito tanto sentido e o tenho adorado. Talvez pela imaturidade não sei... não o voltei a ler por isso não sei o que seria se o relê-se agora... Li, já lá vão mais de 12 anos e na minha memória ficaram deste livro apenas palavras com sentido e com sentidos. Foi também este o primeiro livro que me fez chorar... mas sou suspeita porque sou uma chorona.
Enfim... o que lá vai, lá vai...
Boa noite a todos*