Igual às mães que outrora criticamos
A publicação de hoje da Chic'Ana fez-me lembrar uma situação antiga da infância: Motivada por um primo mais velho, subi para cima do telhado do barbecue de casa dos pais. Já eu estava com um pé no bidão e o primo a puxar-me o braço para eu subir quando fomos apanhados. Em suma: Acabou-se a brincadeira. Ele foi recambiado de volta para casa dos pais, eu fiquei de castigo no quarto sem puder brincar com ninguém, a não ser com os meus brinquedos, até porque sou filha única.
Na altura era pequena, deveria de ter uns 6 ou 7 anos, e lembro-me de ter rogado umas quantas pragas à mãe que me colocou de castigo e me separou do meu primo favorito da altura.
Outras situações aconteceram e sempre que era contrariada acabava amuada com a mãe e a jurar a pés juntos que um dia quando fosse mãe não seria assim, que iria deixar os meus filhos decidirem o que era melhor para eles, e deixá-los fazer o que bem entendessem.
Quanta inocência!
Ainda não sou mãe, é certo, mas não preciso de o ser para saber que vou ser uma mãe tão galinha quanto a minha foi, uma mãe tão preocupada como a minha foi, uma mãe tão punitiva como a minha foi - que nunca usou a força e quase sempre se fez valer mandando-me para a solitária umas horas. É certo que também me vou chatear quando fizerem birra para comer, quando eles quiserem chegar tarde a casa, ou quando não fizerem os trabalhos de casa. Por isso o Miguel Araújo é que tem razão: "Aproveita agora / Que há-de chegar a hora / Que não poupa ninguém / Vais ser igual à tua mãe / Com a filha pela trela / Repete-se a novela, um dia vais / Ser mais Dona Laura do que ela."
Deixo-vos com o Miguel Araújo.
Olha a Laurinha lá vai toda destemida
Diz que é crescida e que prescinde dos conselhos do pai
Olha ela, lá vai toda decidida
Dona da vida nem duvida que é por ali que vai
Olha a Laurinha à cabeça da charanga
Das raparigas do recreio do liceu onde ela anda
E manda na dinâmica da escola
Não vai à bola com a setôra de história
E não disfarça e faz a vida negra à criatura
É a ditadura de quem manda só porque sim
Olha a Laurinha que já fuma às escondidas do pai
Com a mesada de alguém
Ainda namora às escondidas da mãe
Enquanto diz que não tem de nada
Nem ninguém
Vai, dança até ser dia
Que a vida são dois dias
E tu vais ser alguém
Olha a tua mãe
Com um olho na novela
E o outro na panela,
Um dia vais ser tão Dona Laura como ela
Olha a Laurinha toda cheia de cidade
Sem ter idade para sequer votar na junta daqui
Sempre que a chamam ao quadro desatina e nada diz
Mas bem que opina sobre o estado a que chegou o país
Olha a Laurinha lá vai cheia de prestígio
Nenhum vestígio da miúda outrora santa e singela
E a mãe dela fica a vê-la da janela
Ainda se lembra bem do tempo em que a Laurinha era ela
A fumar às escondidas do pai com o dinheiro que alguém
Subtraiu da carteira da mãe
Enquanto diz ao mundo que ainda há-de vê-la ser alguém
Vai, canta até ser dia
Que um dia há-de ser dia
E tu vais ser alguém
Que é tal e qual a mãe
Um olho na novela
O outro na janela, um dia vais
Ser tão Dona Laura como ela
Aproveita agora
Que há-de chegar a hora
Que não poupa ninguém
Vais ser igual à tua mãe
Com a filha pela trela
Repete-se a novela, um dia vais
Ser mais Dona Laura do que ela.