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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Livro: A Boneca de Kokoschka de Afonso Cruz

Tenho poupado imenso dinheiro em livros. Em compensação tenho lido grandes livros. É a vantagem de ser uma leitora confiável a quem emprestam bons livros.

 

Desta remessa de livros emprestados chegou-me A Boneca de Kokoschka de Afonso Cruz. Depois do Para onde vão os guarda-chuvas - que é só assim um livro incrível - confesso que estava com algum medo de baixar a fasquia onde mantinha este autor. É inevitavelmente um livro diferente, é bastante diferente, mas continuei com a fasquia sobre este autor bem lá em cima. A genialidade de Afonso Cruz está lá. A Boneca de Kokoschka surpreendeu.

 

 

É difícil resumir este livro sem contar demais. Não é um livro com uma só história. É na realidade um livro com três histórias que nada parecendo ter que ver entre si, têm tudo. O incrível deste livro é que tem um livro dentro do livro, com uma escrita tão diferente, como se fossem dois autores, com dois estilos distintos. O que une as três histórias é a história verídica de Oskar Kokoschka, que por estar tão apaixonado por Alma Mahler decide, quando esta o abandona, construir uma boneca em tamanho real com todos os pormenores de Alma. Na história de Afonso Cruz, Kokoschka deita fora a boneca que um dia é encontrada por um outro homem que imagina ser uma Deusa. Toda a história é influenciada por esta boneca e é esta boneca que faz com que todos os personagens de certa forma se encontrem. Mas contrariamente ao que nos indica na sinopse, não é um livro sobre Oskar Kokoschka nem sobre a boneca. Como pano de fundo desta história temos Dresden durante a II Guerra Mundial que foi bombardeada e destruída e esse é mais um ponto de influência para que os personagens - tão complexos e tão diferentes - se reúnam.

 

Afonso Cruz tem uma maneira brilhante de nos apresentar factos assombrosos. Apresenta-nos sempre uma história à partida triste, à partida terrível, com humor, com ligeireza. Com uma ligeireza que não ofende. Com uma ligeireza que nos quer fazer ler mais e mais e mais. Aqui encontramos um  homem que tem reticencias na cabeça e a sua boca faz um "O" que vê tudo como se visse sempre pela primeira vez, temos um outro homem que se assume como seu filho mas que no fundo faz de pai e que carrega a cabeça do amigo de infância na sua bota. Aqui encontramos Adela que quer descobrir sobre o seu passado e descobre que a sua avó manteve relações com um sobrinho sem saber, e encontramos acima de tudo personagens que por vezes não compreendemos se são reais ou imaginadas - mesmo no plano de Afonso Cruz - e que por vezes nos exige uma atenção redobrada.

 

A Boneca de Kokoschka tem mistério e tem misticidade, tem um pouco de tudo para nos maravilhar. Não é um livro de leitura fácil. Diria até que não é fácil ler Afonso Cruz, devido à forma tão estranha - estranha de tão bom  como escreve. Todo o livro é incrível mas é inegável que a primeira parte é a melhor de todas. A primeira parte é a mais semelhante ao livro Para onde vão os guarda-chuvas, a segunda parte do livro - a do livro dentro do livro - é mais banal, é uma história que não tem tanto a marca de Afonso Cruz - propositadamente, creio -, mas essa marca regressa novamente na terceira parte para o grande final.

 

Basicamente este livro quer-nos passar uma mensagem: Nem sempre o real e o imaginário é claro, e nem sempre um livro tem apenas personagens, pois por vezes esses personagens são apenas uma versão melhorada de pessoas reais, que existem, com histórias que poderiam realmente ter acontecido. É um livro que nos fala de amor mas de um amor diferente. Aliás, fala-nos de vários tipos de amor: do amor à família, do amor que magoa, do amor que humilha, mas também do amor pelo qual suspiramos toda a vida, inclusive no leito de morte.

 

Afonso Cruz hoje e sempre. Quero ler mais e mais deste autor!

 

Acho que é escusado dizer que recomendo, e muito, a leitura d'A Boneca de Kokoschka!

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