Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Livro: A Gorda de Isabela Figueiredo

Custou mas consegui terminar. Nunca um livro tão bom e tão pequeno me custou tanto a ler, não por falta de motivação, mas por falta de energia e um sono extremo que me tem atacado à noite. Neste fim-de-semana alargado foi uma boa altura para colocar as leituras em dia e finalmente terminei A Gorda de Isabela Figueiredo.

 

 

 

 

A Gorda, conta a história de Maria Luísa, branca, nascida em Lourenço Marques - atual Maputo - que na época dos retornados, vem com a sua família para Portugal onde recomeçam do zero, com tudo o que conseguem trazer de Moçambique. Maria Luísa é uma mulher de tudo ou nada, é uma mulher dedicada, estudiosa, empenhada e culta, só que gorda. E toda a sua vida é domada pelo seu peso. Na escola foi gozada por estar acima de peso, no início da vida adulta perde o homem que ama devido à vergonha que ele tem dela, por causa dos amigos gozarem com ele por ela ser gorda, e já em adulta Maria Luísa sofre o estigma do peso porque não quer acabar como o seu pai, também ele pesado que morre devido ao excesso de peso. Apesar de tudo, e de todo o sofrimento que viveu, Maria Luísa não é uma vítima. Maria Luísa é uma lutadora, uma mulher esforçada que não se dobra pela opinião pública, mas a obsessão que possui pelo homem que sempre amou vai ditar-lhe, de certa forma o futuro.

 

O que mais gostei neste livro, foi a forma diferente como é contado. Maria Luísa parte das divisões da casa em que vive para contar a sua história e o seu relacionamento com a casa, com a família e a amigos, e por isso a história não é contada do passado para o presente, mas sim com constantes vai-vens de passado-presente que se vão misturando capítulo após capítulo. É por isso mesmo um relato, não um livro de mistério. O livro fala-nos da vida, fala-nos de cultura, de sentimentos, de ambições e acima de tudo de desejos.

 

Gostei muito d'A Gorda, talvez porque me tenha identificado tanto com ela. Também eu já ouvi "não devias usar isso porque és gorda e não te fica bem" também eu ouço constantemente "Não comas tanto, deves ter mais cuidado." como se do meu peso dependesse toda a minha vida. Nunca fui gorda na infância - até bem pelo contrário - mas como a Maria Luísa desenvolvi os seios demasiado cedo e isso era motivo de vergonha e de comentários mais desagradáveis por parte das raparigas e mais assanhados por parte dos rapazes, isso deixava-me desconfortável. Também eu já fui deixada por um rapaz por causa dos amigos dele não me aceitaram, não pelo meu peso, mas pela minha idade, e ele, tal como com a Maria Luísa, só queria estar comigo se fosse às escondidas. Era bem capaz de passar por mim e fazer de conta que não me conhecia e no momento a seguir estava a ligar-me a pedir desculpa. Nunca compreendi. Nunca pactuei com estes julgamentos sociais, e tal como a Maria Luísa, na verdade nunca quis saber. Ainda hoje, apesar de estar longe de ser magra, a verdade é que não quero saber o que os outros pensam sobre isso. Uso saias curtas se me apetecer, uso vestidos, decotes, tudo o que tenho direito - e me sirva, está claro - dentro da decência e do bom gosto - ainda que seja sempre relativo.

 

A Gorda, podia ser qualquer um de nós, porque A Gorda conta muito mais que a história de uma mulher gorda. A Gorda podia ser A Estrábica, A Magra, A Míope, A Gorda podia ser qualquer um, porque este é um livro que não fala do excesso de peso, mas sim de rótulos, e de como os rótulos podem condicionar de uma maneira ou de outra a relação que cada um estabelece com as pessoas, e a forma como cada um se relaciona - melhor ou pior - com os rótulos que tem.

 

Foi um livro que gostei muito, quer pela forma crua como é escrito, quer pela empatia fácil que se cria com as personagens, quer pela escrita simples e coloquial. Maria Luísa fala connosco e transporta-nos para o seu mundo e por isso acho que é um livro que é muito fácil gostar.

 

Ao ler a história da autora, da Isabela Figueiredo, fiquei ainda com a ideia de que poderá ser uma espécie de autobiografia, devido às semelhanças entre Isabela e Maria Luísa. As duas nasceram em Lourenço Marques e as duas retornaram nos anos 70. As duas são professoras, têm um blog, e ambas sofreram com o excesso de peso e com o amor renegado. Por isso, de certa forma, ao ler a história de Maria Luísa senti que estava a ler a história verdadeira de Isabela Figueiredo o que me permitiu amar ainda mais este livro.

 

Digo-vos só mais uma coisa: Leiam!

25 comentários

Comentar post

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.