Livro: As Gémeas do Gelo de S.K. Tremayne
Diz o senso comum, que não se deve julgar um livro pela capa, mas a verdade é que as capas são a forma mais eficaz de comunicar - primeiramente - com o leitor, e assim que vi a capa deste livro senti vontade de o ler. Não conhecia a trama, não conhecia o autor, mas senti-me atraída pela capa. Assim que li a sinopse percebi que tinha mesmo de ler este livro. Na altura não o comprei, porque tinha alguns livros em lista de espera, mas no início deste mês vi este livro a um preço espetacular no OLX que acabei por aproveitar a oportunidade. A oportunidade de comprar um livro novo - novinho mesmo, parece que nunca foi folheado - a preço de usado. Adoro estes negócios.
As Gémeas do Gelo conta a história de Sarah que tinha duas filhas gémeas idênticas - Lydia e Kirstie - que fisicamente ninguém as distinguia, apesar de caracteristicamente serem bastante diferentes. Lydia era introvertida e Kistie muito mais extrovertida e irrequieta. Tudo corria bem para este casal, até que uma das gémeas cai abaixo de uma varanda em casa dos pais de Sarah e morre. Assim, aos 6 anos Lydia é dada como morta e o casal passa por uma grande crise. O pai, Angus começa a beber, a mãe Sarah entra numa profunda depressão. Acontece que um ano depois, e após terem perdido o emprego e todas as poupanças recebem uma herança: uma pequena ilha esconcesa com uma casa e um farol em muito mau estado, mas que esperam recuperar para conseguir vender por um bom preço uns anos mais tarde. Sem grandes alternativas decidem assim mudar-se para essa pequena ilha na esperança de começarem do zero e recuperarem do trauma que é perder uma filha. Acontece que Kirstie, a suposta sobrevivente, começa a dizer que não é a Kirstie, que os pais cometeram um erro e que ela é a Lydia e começa efetivamente a comportar-se como Lydia - mais introvertida, sempre agarrada aos livros - e os pais ficam confusos. A filha parece também não compreender quem é e não consegue relacionar-se com outras crianças sem as assustar. A ida para a nova escola transforma-se assim num inferno e a gémea começa assim a parecer cada vez mais perturbada. Afinal quem sobreviveu foi a Lydia ou a Kirstie? Leiam e descubram.
O livro tem no total três narradores: Sarah, um narrador externo e Angus o que permite ter uma visão diferente e abrangente da história. No entanto grande parte da história é-nos contada pela visão de Sarah, a mãe devastada pela morte da filha.
Apesar de o livro estar categorizado como sendo um thriller, eu classifico-o como um drama, porque a verdade é que apesar de ter algum suspense no final, quase todo o livro se foca na dor daquela mãe e daquela filha que se refere a si como um plural demonstrando uma grande confusão interna. Por isso se buscam um livro totalmente arrepiante e assustador, este não é o livro. É, no entanto, um livro arrepiante do ponto de vista sentimental, que demonstra como a nossa mente pode ser muito traiçoeira e a nossa realidade não ser a realidade efetiva. As descrições de sentimentos e das angustias permitiram-me sentir uma grande empatia pelas personagens e sentir verdadeiramente o drama daquela família. Tantas e tantas vezes que fiquei com um nó na garganta.
Este livro toca num grande ponto fraco dos pais: os seus filhos favoritos. E se vocês descobrissem que afinal o vosso filho favorito não tinha morrido e tivesse morrido o outro? Sentiriam menos dor? E se isso implicasse fazer novamente o luto de um outro filho, apesar de nada ter mudado realmente? E se vocês descobrissem que não conheciam verdadeiramente os vossos filhos ao ponto de não os distinguirem? Estas questões são retratadas no livro: as dificuldades do luto e a necessidade de esclarecimento de algo que não vai amenizar a dor mas só vai causar novos problemas. Os problemas de identidade, e até mesmo o que os pais são capazes de fazer para proteger a família.
Ao longo do livro vamos tecendo várias teorias sobre o que realmente aconteceu e apesar de o final não ser totalmente inesperado, a verdade é que de um certo ponto nos surpreende. O final deixou-me agoniada, precisei de o reler novamente para assimilar o que verdadeiramente aconteceu e a ambiguidade do mesmo dá-lhe um ar místico e enternecedor. Ficamos sem compreender se o que acontece se deve a algo sobrenatural, se à loucura, se ao desespero, se apenas ao amor.
As descrições do livro são fantásticas - até para mim que odeio descrições - pois permitem-nos fazer parte do cenário, sentir o que as personagens estão a sentir. O grande ponto fraco é o mistério - já que é classificado como thriller - pois o grande clímax da história só acontece no final, com a descoberta do que verdadeiramente aconteceu, e não vão dando pequenos mistérios para se irem resolvendo ao longo do livro, por isso dentro desta categoria desilude um pouco.
O que mais me assustou no livro é o confronto com a facilidade com que criamos premissas que se tornam verdadeiras - mesmo podendo não ser - e a facilidade com que essas premissas passam a assumir o controlo da nossa vida. Assustou-me o facto de uma pequena desconfiança, um mero mal entendido, possa deitar por terra tudo o que achamos sobre os outros e como distorcemos a nossa realidade e a dos outros. Acho isso bastante assustador.
Leiam o livro, vale bem a pena.
Já agora... alguém sabe se é suposto este livro sair para o cinema como a Rapariga no Comboio? Visualmente, tendo em conta as paisagens descritas, dava um filme lindíssimo - se bem conseguido, obviamente.