Máquina de fazer felicidade
Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
Este é um dos meus poemas favoritos e sem dúvida que é o meu favorito de Alberto Caeiro. É o meu favorito mas nem por isso o meu coração concorda com estas palavras, ainda que a minha razão esteja acenar firmemente com a cabeça.
Era mais fácil, diz o coração, se as coisas pudessem ser feitas à nossa maneira, éramos mais felizes e até talvez, na nossa ótica, seria um mundo mais justo. Seria, se a nossa visão estivesse de acordo com a visão dos demais, o que sabemos que não é verdade.
Às vezes acreditamos até, ingenuamente, que a felicidade depende só de nós, e até cedemos perante os outros porque parece fácil ser feliz. Se há algo que incomoda o outro e nós podemos mudar, - porque é fácil, porque se isso vai fazer a pessoa feliz e nós queremos essa pessoa feliz, é nos fácil ceder - nós mudamos. Só que logo logo percebemos que nunca é assim, porque nunca é suficiente, porque na realidade a felicidade não depende só de nós. Depende também dos outros. Por isso a razão está certa, Caeiro tem razão, não há máquinas de fazer felicidade, não há assim tanto poder nosso de mudar o mundo e de mudar os outros e raramente a felicidade dos outros está nas nossa mãos, mas tantas vezes nas mãos dos próprios, mas ainda assim nós mudamos, porque nos vamos moldando e moldando tanto que às vezes já nem sabemos qual a nossa forma inicial. Às tantas, quando damos por nós, já não somos nós, mas um nós tão diferente que já não nos reconhecemos.
Isto das coisas, da vida e da felicidade é apenas uma bola de neve gigante em avalanche. Uma queda vertiginosa sem fim... até que finalmente um dia o fim alcança, quando bate na rocha e toda a bola gelada se desfaz... É inevitável.
E confesso que esta inevitabilidade das coisas e da falta de controlo que me assusta, porque parece que por mais que façamos, parece que não temos o controlo de nada, que as coisas se desenrolam naturalmente, por si. Alberto Caeiro dizia que assim deveria de ser a vida, apenas vivida, sem questionamento, apenas sentia, observada, cheirada. Eu não gosto, não suporto sentir que perco o controlo da bola maciça que desce em queda livre do precipício. Até posso compreender a ideia, mas não a aceito, de todo!
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P.S.: E após tantos dias de silêncio, sinto que foi uma entrada a pés juntos... Perdoem-me, os dias passam mas as estações continuam a não mudar, talvez por isso tenha resistido tanto em vir dá dar uma perninha e duas letras de conversa.