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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

O meu corpo só a mim pertence

Relembro com lágrimas nos olhos de tanto rir, quando uma professora na faculdade, há quase 4 anos atrás, arregalou os olhos em choque, após uma colega que estagiava numa instituição de apoio à prostituição e aos sem-abrigo, proferir as seguintes palavras, que conjugadas entre si, revelavam grandes preconceitos, ao ponto da professora lhe questionar se queria mesmo manter o estágio, que se calhar não era o ideal... Basicamente, e por outras ou mesmas palavras disse:

 

Mas aquelas mulheres têm de compreender que têm de abandonar aquela vida! E elas não compreendem. Aquilo é errado!

 

Percebi de imediato que a professora ficou a pensar "mas que raio ando eu aqui a ensinar este tempo todo?" Pois que a educação social não pressupõe que os educadores sociais imponham às pessoas os seus ideais de vida, as suas convicções. Os educadores sociais não devem fazer com que as pessoas mudem de vida se assim não quiserem, mas antes capacitar essas mesmas pessoas de ferramentas para que possam mudar se assim o quiserem e desejarem. Não é porque aquela colega não deseja para si a vida da prostituição, que deve ver nas prostitutas umas coitadinhas, umas vítimas, umas pobre coitadas. Nem sempre assim o é. Muitas há as que são efetivamente vítimas, que são obrigadas, são drogadas e orientadas nesse sentido. Mas muitas escolhem essa profissão - sim, porque é uma profissão - para manter determinados níveis de vida que de outra maneira, não conseguiriam.

 

Num outro estágio, uma outra educadora social numa visita domiciliaria a uma prostituta - odeio o termo mulher da vida... não somos todas mulheres da vida? ou seremos mulheres da morte? - a "doutora" tentava mostrar-lhe as vantagens de ter um emprego das 9h às 17h a limpar escritórios, a viver subjugada a patrões e ser escravizada porque quem não deseja ser, ao que a mulher se levantou, a levou ao seu roupeiro e lhe perguntou que emprego poderia ter com as suas qualificações que lhe permitisse ter todos aqueles pares de sapatos, todas aquelas malas e todas as viagens de luxo que fazia... E a "doutora" remeteu-se ao seu silêncio envergonhada!

 

Na minha opinião, está claro, o corpo da mulher, só à mulher pertence, seja nos casos do aborto, seja nos casos de prostituição, ou no caso do abuso de drogas. Se a mulher (ou o homem, claro está) é adulta, está no uso pleno das suas capacidades mentais, e faz as coisas de sua livre e espontânea vontade, cabe apenas a ela decidir o que fazer consigo. Não nos cabe a nós, profissionais, julgá-las a apontar-lhes o dedo e dizer-lhes que estão erradas. Deixem isso para os familiares e amigos, que esses já tratam de fazer todos os julgamentos errados e mais alguns.

 

Mesmo como pessoas, sem sermos profissionais, não devemos julgar os outros pelo que fazem, a verdade é que devemos respeitar da mesma maneira, um médico, um lixeiro, um sem-abrigo e uma prostituta. Não nos podemos esquecer que muitos dos sem-abrigo o são porque deixaram de saber viver dentro de quatro paredes. Devemos ajudá-los sempre que precisarem, mas não devemos nunca impor-lhes as nossas vontades. Nunca!

 

Eu sou mulher e como mulher não admito que me digam que tenho de ser recatada porque a sociedade condena quando não o somos, não admito que me digam que tenho de emagrecer, porque os padrões sociais assim o predizem, que tenho de casar com um homem, ter dois filhos um cão e um gato. A minha vida só a mim me diz respeito. O corpo da mulher, só à mulher lhe diz respeito. Vamos deixar de julgar as pessoas!

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Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.