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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

O tempo nas relações

O tempo é dos fatores mais importantes das relações, é este que predita, em certa medida, o que vamos desejando do outro, o que vamos valorizando que o outro valorize em nós. É o tempo, no fundo, que determina em que tempo estão as relações.

 

Exemplificando...

 

Inicialmente, ainda antes de existir relação, desejamos que o outro olhe para nós e goste do que vê. Suspiramos por uma troca de olhares e uma simples mensagem é suficiente para nos pôr em polvorosa. Quando já há uma relação, olhar só não chega, é preciso ação, uma mensagem só não chega. Não é prova suficiente que continua interessado em nós se apenas nos mandar uma mensagem pela manhã e depois ao longo do dia nunca mais nos dirigir palavra, seja escrita ou por voz. "Já está noutra" pensamos. Se pelo menos 1258 mensagens não nos forem dirigidas ao longo do dia, no início das relações, achamos que já não estão interessados, é porque têm outras prioridades. Mas se já é uma relação estável, então essas 1258 mensagens já são demais. Já se está junto à demasiado tempo para existir tanta paixão, tanta ansiedade. 1258 mensagens são controlo, são desconfiança, são... Maçadoras.

 

Inicialmente, ainda antes de existir relação, imaginamos como será servir-lhe um jantar romântico, o que ele gostará, e se estaremos à altura das suas preferências gustativas. Quanto já há relação, no início, preparamos-lhes os seus pratos favoritos com vontade, à espera de um elogio e ele leva-nos o pequeno-almoço à cama com uma flor no canto do tabuleiro. Sumo de laranja, croissant e café. É assim nos filmes. É assim na vida real... Mas só no princípio da relação. Com o avançar do tempo, as relações esfriam, e o café já está frio, o sumo de laranja já perdeu a vitamina C e o croissant já não está comestível. Cada um prepara o seu pequeno-almoço - quando o preparam - e à noite já há discussão sobre de quem é a vez de preparar o jantar. Já não há entusiasmo em preparar o que o outro gosta. 

 

No início das relações, namoramos o tempo todo, vamos ao cinema e nem vemos os filmes, enrolamo-nos no sofá durante horas com a televisão ligada sem prestarmos atenção ao que lá dá e os gostos parecem comuns. São comuns no fundo porque ninguém está a prestar atenção. Com o avançar do tempo nas relações, parece que os gostos já não são bem os mesmos, e então acaba um a ver futebol na sala e outro a ver a novela no quarto. Com o avançar das relações deixa-se de ceder, porque afinal já se está junto, já não é preciso agradar para conquistar, aparentemente já se está conquistado.

 

Devido a tudo isto, facilmente conseguimos perceber que o ser humano é um bicho cuidadoso, que não tem, por hábito ou natureza, exigir mais do que é suposto, ninguém exige - acho eu - ser pedida em casamento logo no primeiro encontro, nem que o homem cozinhe e aspire na primeira visita a casa. Eles e elas vão em pezinhos de lã até existir um tempo em que já é permitido desapertar o botão das calças, alargar a gravata e respirar. O encanto dos primeiros olhares já terminou e já não é suficiente que o outro nos admire só, que nos ache bonitos ou bonitas. Importa sim que nos respeitem, que nos oiçam, que nos compreendam, que nos ajudem em casa, que nos ajudem fora de casa.

 

No fundo a vida real é um jogo tipo Sonic, mas em ato continuum, em que vamos passando de nível, e em cada nível há novas exigências. Quando essas exigências não são superadas, não conseguimos avançar de nível. A estas relações que não evoluem, chamo-lhes de relações enguiçadas. E no fundo estão só à espera que apareçam um daqueles ouriços-cacheiros - como no Sonic, que o faz perder todas as argolinhas - para deitar tudo a perder. E quando pela segunda vez o Sonic se encontra com o ouriço, o que é que acontece? Temos de recomeçar tudo de novo. Assim também o é nas relações. Há relações que quando ameaçadas pelo ouriço, pelo bicho mau da separação, que se reconstroem, que reiniciam o nível e tentam fazer algo de diferente, para não caírem novamente na mesma armadilha.

 

Mas há relações que não resistem a cometer os mesmos erros, porque as pessoas simplesmente não estão preparadas para fazer diferente, ou simplesmente porque não querem fazer diferente. Por isso, há relações que não resistem ao tempo, e que no fundo ficam só à espera que o tempo as resolva por si só... Porque dizem...

 

... O tempo cura tudo.

 

Será?

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Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.