Quem conta um conto... #1 Cartas de Inês
Gosto de histórias. Gosto de histórias, porque estas nos trazem muitas vezes mensagens de esperança, mensagens de amor. Gosto de histórias porque elas me fazem viajar, viver vidas diferentes, ter sentimentos novos. Gosto de histórias, e por isso, sempre que me inspirar partilharei convosco pequenos contos que conto escrever sempre que sentir que posso.
Porque quem conta um conto... vive uma história, e pronto!
A história do Pedro e da Inês não começou quando, às escondidas, se beijaram no carro dele, à noite. A história deste jovem casal começou um pouco antes, quando os seus dedos se tocaram suavemente, tão suavemente, naquele dia soalheiro. Os dois estavam sentados no chão, vendo os amigos jogarem futebol e Pedro aproximara-se dela gradualmente e dera-lhe a mão sem que nada o fizesse prever. O coração de Inês parara naquele instante, suspirava há vários dias por aqueles olhos azuis. Pedro era já homem crescido, Inês apenas uma criança que sentia o amor pela primeira vez.
Ainda hoje, Inês se lembra dele todos os dias. Já se passaram tantos anos desde a última vez que se viram… que se sentiram, mas Pedro também ainda se lembra como Inês o olhava. Olhava-o com a ternura típica da sua idade, era muito jovem quando se conheceram, e Pedro sempre soubera que nunca a conseguiria olhar da mesma maneira. Bastante mais velho, restava-o olhar para ela com um olhar mais envergonhado, mas também mais sabido. Pedro sempre soubera que era errado, mas também era esse sentimento que o fazia continuar, porque era esse sentimento que o fazia sentir vivo. Era egoísta. Estava apaixonado, mas a sua paixão por Inês era puro egoísmo. Pedro buscava no amor que sentia pelos outros, o seu amor próprio, ele amava-se a si próprio, através dos outros, buscava uma felicidade inexistente e por isso nunca conseguiu ser feliz. Mas disso Inês não sabia. Ainda não sabia. Amava-o, e julgava que ele a amava de igual modo.
Nada foi normal, quando se conheceram. Apresentados por um amigo em comum, o coração de Inês disparou, sem que esta compreendesse, quando os seus olhos se cruzaram com os de Pedro. Quando chegou a casa nesse dia, desatou num pranto, como se soubesse de ante-mão o sofrimento que este amor lhe iria causar, não ligou, sentiu que já não poderia fugir desse amor, ainda que mal soubesse o que era amar. Inês nunca soube o que Pedro sentiu nesse dia, nunca soube se teria sido correspondida desde o primeiro momento, ainda que nesse primeiro olhar pressentisse o desejo. Hoje, mais velha, sentada junto ao parapeito da janela, recorda com alguma nostalgia o primeiro convite de Pedro para sair, a euforia que sentiu. Mas também recorda a dor que este lhe causou quando lhe dissera que era altura de seguirem caminhos separados, que já nada sentia por ela. Nunca Inês esqueceu as palavras que Pedro dissera quando tudo terminou, esqueceu a forma da sua cara, o tom da sua voz, mas nunca estas palavra.
Uma vez mais, nada foi normal quando terminaram. Pedro não conseguia manter-se afastado e Inês não compreendia como poderia ele não estar apaixonado, se não se conseguia afastar, se não a conseguia deixar ir. Encontravam-se sempre que podiam, e para Inês era como se nada tivesse mudado, mas todos os dias, Pedro lhe lembrava que eram apenas amigos e apesar de Inês saber que não poderiam ser apenas amigos, a inocência desta não lhe permitia esclarecer a relação que tinham. Na realidade, era apenas uma relação doentia. Uma relação de puro egoísmo que Pedro mantinha com Inês. Sempre que este se sentia só, sempre que precisava de ser confortado, sabia que Inês estaria lá para o apoiar, com os seus beijos doces, com os seus gestos carinhosos, com o seu corpo bem constituído. Sempre que estava com Pedro, Inês entregava todo o seu corpo, toda a sua alma. Mas Pedro continuava a referir, que nunca poderiam ser mais do que amigos, que não a amava como ela merecia, apesar dos beijos apaixonados provarem o contrário. Por tudo isto, sempre que chegava a casa, Inês chorava. Com a roupa impregnada do cheiro de Pedro, Inês chorava. Não poderia saber quando um encontro seria o último. Não era possível prever e sofria com isso. Pedro referia constantemente que se deveriam afastar, que este gostava demasiado dela para a querer magoar. Mas continuou a magoa-la, meses a fio.
Inês amava Pedro, com toda a sua força, com todo o seu corpo, mas sabia que precisava de seguir em frente com a sua vida, antes que este amor a matasse. Isolada do mundo, Inês sentia-se cada vez mais fraca, cada vez mais triste até que encontrou Martim. Tal como ela, Martim era uma alma perdida que precisava de conforto em alguém que verdadeiramente o amasse. Inês e Martim apenas queriam ser amados, e com o tempo, acabaram por transformar uma bela amizade num amor forte e duradouro.
Inês nunca se despedira de Pedro, nunca soubera que o último encontro, não seria apenas mais um, mas que seria o último. Não se verteram lágrimas de despedida, não existiram abraços calorosos nem frases de promessas futuras. Na despedida apenas se ouviu um bip de telemóvel que transportava uma última mensagem, um adeus, que Pedro sabia ser irreversível. Mais maduro, e contrariamente a Inês que com medo se despedia, Pedro sabia que aquela era a melhor opção, soubera sempre que a separação era inevitável, mas ainda assim, nunca a aceitou. Afastados para se puderem esquecer, nunca mais se falaram, mas viram-se mais duas ou três vezes em diferentes anos, e pelo olhar de Pedro, Inês percebera que este nunca a esqueceu, Inês quase jurara ter visto uma lágrima a ser vertida enquanto este apressado caminhava. Inês, hoje mais sábia, ainda não sabe o que sentira Pedro, afinal. Olhando para o passado percebeu que nunca o conheceu verdadeiramente.
Inês seguiu a sua vida com Martim e apesar de nunca ter sentido a paixão arrebatadora que sentira outrora por Pedro, sentia-se segura, e foi feliz. Sim Inês tivera uma vida feliz e satisfatória ao lado de Martim.
Inês conhecera Pedro no princípio da sua adolescência, vive agora com Martim aposentada numa casa à beira mar, e não há um único dia que não recorde esse seu amor de infância. Ama Martim, ama-o muito, mas o amor que sempre sentira por Pedro nunca foi desvanecido pelo tempo, ou alterado pelas más lembranças. Inês sempre soubera guardar esse amor nunca cantinho especial do seu coração e escrevera-lhe todos os dias, em seu pensamento, cartas de amor que Pedro nunca irá ler.