Quem conta um conto #13 Em Busca da Felicidade
Em 2009 participei num passatempo de uma editora para publicar um conto e fiquei assim com uma espécie de publicação em livro, do dito conto. O tema era o fantástico, e foi esta a história que saiu. Sete anos passaram desde então... Partilho convosco o conto, a quem gostar do estilo, bem diferente do meu estilo actual. Ah! Antes que perguntem, esta é uma história com final feliz... ou não!
Surge pela parda encosta, o olhar da enigmática criatura, amedrontando os elfos da região de Trinity. Há muito que a região se encontra envolta em grande mistério e terror, apesar da aparente paz que se faz notar com o raiar do sol. Quando as naturais luzes se apagam e o sol dá lugar à presença da lua, o agitar das árvores torna Trinity num lugar tenebroso e frio, antecipando o recolher dos elfos. Durante a noite, não é apenas o som das folhas e dos ramos que se faz notar, mas um guinchar agudo, vindo de criaturas desconhecidas que parecem querer vingança pela felicidade elfiana.
São vários os elfos que sonham com o fim da tormenta e apesar de serem conhecidos como uma raça forte e corajosa, apenas Syria, uma jovem bela e aventureira prometeu devolver à sua terra o sossego outrora sentido. Há muito que a jovem indaga a origem dos gemidos, todas as noites veste-se de coragem e aventura e parte em busca do desconhecido, porém, sozinha apenas descobriu o olhar de uma fera amansada e amedrontada, que desapareceu na encosta assim que sentiu a sua presença. Aguçada a curiosidade, a bela jovem decide partir em busca da feroz criatura, deixando a povoada Trinity, aventurando-se pela densa floresta. Para tal, decide falar com quatro guerreiros da região para que a acompanhassem nesta aventura: Neon, Liah, Nimo e Steph.
– Neon! Vens? – Alto, louro e de olhos azuis esbugalhados é o eterno apaixonado de Syria, sempre a tentou impedir de procurar o tormento, porém, sabendo que a mesma não iria desistir, decide acompanha-la, para surpresa de todos.
– Não vejo a hora de a aventura começar! Estou entusiasmadíssima! – Diz Liah, com um sorriso de orelha a orelha. Não é originária de Trinity, porém foi lá que encontrou toda a paz e sossego, após ter fugido do seu reino, por se ter recusado a aceitar o trono. Tinha desde então, uma dívida muito grande para com aquele povo afável que a recebeu de braços abertos quando lá chegou descalça e cheia de fome. – Precisamos de uma bênção forte, precisamos de muita energia. Sei quem nos pode ajudar!
A pedido da princesa Liah, antes de se aventurarem pela grandiosa floresta e varrerem vales de lés-a-lés, os guerreiros procuram Mago Zuí, um velho elfo conhecido não só pelas suas grandes barbas, como também pela sua enorme sabedoria. Zuí há muito que se isolara, num lugar onde o azul do céu se confunde com o verde dos prados muito pouco povoado, denominado de Sabannah.
– Diz-se que deixara a sua terra natal por ser julgado louco e condenado à morte por acreditar em mundos nunca outrora vistos. – Conta Steph enquanto olhava para a sua silhueta reflectida num lago. – Mundos místicos e perigosos. Diz acreditar em fadas, monstros voadores e criaturas horrendas que massacram elfos mais fracos e resignados. É um louco! – Continua. Vaidoso e impaciente, Steph era o mais céptico dos elfos. – Nem acredito que lhe viemos pedir bênção e boa sorte quando apenas podemos contar connosco. É pura perda de tempo! – Continuou em tom de gozo.
Todos o ignoraram.
Após um longo dia de viagem, o grupo finalmente avista a singela casa do Mago, uma linda cabana em tons de amarelo à beira-rio, rodeada de papoilas coloridas, para desilusão do vaidoso Steph:
– Aguardava um castelo… Aguardava grandiosidade…
Subitamente uma ruidosa nuvem de poeira envolta em fúria surge do rio derrubando-os. Assustados, desatam a correr pela floresta desnudada, fruto de um inverno rigoroso, gritando por ajuda. Correm ofegantes, desejando ser um pesadelo. Repentinamente, tudo pára e a ruidosa fuga dá lugar a um silêncio avassalador que os gela. Olham à volta e nada vêm. Apenas árvores e a casa à beira-rio rodeada pelas papoilas, embora que mais longe. Ao fundo uma voz pouco nítida, mas notavelmente arrogante:
– Quem ousa insultar o meu mundo? É desta forma que pretendem procurar a besta que vos assusta? É toda esta coragem que vos move? Têm ousadia para me procurarem e insultarem a minha humilde casa e paz, e não têm a coragem para enfrentar a fúria dos deuses?
– Mas como é que…? – Incrédulo, Nimo tenta compreender como é que o mago sabia o que os trazia a Sabannah, porém sem sucesso.
Visivelmente afectado com as palavras proferidas por Steph, o barbudo afasta-se em direcção ao seu lar com uma ira nunca antes vista.
– Magi Zuí! – Gritou a bela Syria.
– Lembra-se de mim? – Continua Liah
Reconhecendo a princesa, Zuí corre em seu alcance e abraça-a. Um abraço tão forte e caloroso capaz de derrubar qualquer mágoa. Visivelmente feliz com a presença de Liah, Zuí concorda em ajuda-los. Fala-lhes sobre o oculto, em como as fadas são brincalhonas e desastradas e em como os monstros podem ser fatais. Conta que outrora fora capturado por formigas gigantes e cornudas, e libertado por cavalos brilhantes com asas.
– As sereias não são como as imaginamos… São falsas e atraem-nos com os seus estridentes grunhidos. Muitos elfos morreram pelo deslumbre da sua beleza…
Steph observa o grupo de longe, enquanto troça do que é dito.
– Balelas! – Pensa.
Após um longo dia de ensinamentos e quase com o sol-posto, Zuí prepara um delicioso jantar.
– Besugos grelhados com erva-doce e uvas passas. E para a sobremesa, mousse de frutos do bosque – Diz com orgulho, em forma de agradecimento ao grupo pela companhia prestada. Há muito tempo que não tinha visitas.
– Agradecemos o jantar, estava delicioso. – Afirma Nimo, o mais tímido do grupo. É um elfo com ar frágil e doce porém extremamente corajoso e com uma força incrível – Mas agora é melhor irmos andando, antes que o sol se ponha.
Dada a bênção e os ensinamentos, o grupo prossegue viagem.
– Deveríamos ter saído muito mais cedo, é já noite escura e nada conseguimos ver… Estas árvores são impenetráveis. – Comenta Nimo.
– O melhor é pararmos para dormir um pouco, já estamos a caminhar há várias horas… – Comenta Syria.
– É melhor fazermos turnos enquanto dois dormem, outros dois vigiam – Completa Neon.
– Eu? Turnos? Eu vou dormir…
– Tudo bem Steph! Fico eu e o Neon acordados inicialmente e depois o Nimo e a Liah. Pode ser? Longe de mim querer estragar o teu sono de beleza!...
O grupo concorda. Enquanto Nimo e Liah dormem profundamente enroscados um no outro, gemidos estridentes de bestas iradas fazem o enamorado casal temer a ida deles até à floresta. A meio da noite não são apenas os loucos gemidos, mas também pontos de luz que vão e vêm originando tenebrosas sombras de corpos esqueléticos saltando de árvore em árvore. Um desses pontos de luz ilumina uma gruta que desperta o interesse de Neon.
– Syria, fica aqui! – Levanta-se impulsivamente e acende uma tocha – vou ver o que tem lá dentro.
– Neon! Não vás, fica comigo!
Ternurento, beija a testa de Syria, olha-a com amor e desaparece por entre a escuridão.
Na manhã seguinte quando Nimo, Liah e Steph acordam, estão sozinhos. Nem sinais de Syria ou Neon. Preocupados, decidem procura-los, porém nada encontraram. De repente vêm a cintilar por entre umas folhas mortas, o pendente de Syria.
– Oh não! Isto é da Syria… o que terá acontecido? – Grita Liah aterrada.
– O mais certo é já estarem mortos, estamos a andar à horas e nada encontramos a não ser essa corrente de ouro… eles foram capturados de certeza. – Indicia Steph.
É então que um riso maléfico surge do nada.
– Ahahahah! Vocês elfos são tão ridículos e engraçados. Ahahah! – E da mesma forma que apareceu, desaparece.
– Mas…. Mas…. É uma fada! – Diz Steph terrificado.
Os guerreiros ficam perplexos ao ver algo que desconheciam existir. Sem se darem conta, uma vez mais, a pequena e cintilante fada, que vestia uma linda farpela azul, poisa no ombro da princesa e ri-se uma vez mais enquanto brinca com a situação dos três amigos.
– Vocês andam a procura de uma moça loira de orelhas pontiagudas? Ahahah! – Mesmo antes de o grupo confirmar, a fada continua a divertir-se, brincando com eles. – Nunca a vi! Ahahah! Nem a ela nem ao mocinho de olhos azuis com orelhas ridículas – Ahahah! – E esvoaça para bem longe enquanto faz entoar o seu riso pela floresta.
Certos que Miriam, a fada, sabe onde se encontra o casal, decidem correr em seu alcance. É então que Nimo cai numa armadilha de urso e fica com o pé mutilado.
– Temos que desistir, isto está a ficar muito perigoso. Temos que voltar a Trinity, enquanto pelo menos três de nós ainda estamos vivos! – Apela o presunçoso Steph.
– Nunca! Não deixarei Syria e Neon para trás. Nunca! – Contraria Liah. – Mas Steph, volta com o Nimo, ele precisa de cuidados.
Steph concorda. Porém a viagem até à calma região não é tão pacífica quanto eles esperavam. Mal deixam a destemida princesa, são perseguidos pelo desconhecido. Passos atrás de passos, fazem a terra tremer o que os deixa bastante apreensivos. Subitamente, uma sombra colossal surge do nada interrompendo o percurso dos dois amigos.
– Quem ousa pisar a terra de Boris? – Grita um monstro horrendo e gigante.
A sua voz faz-se entoar em toda a floresta fazendo abanar as árvores e tremer a terra e as folhas que nela poisam, porém apesar do seu aspecto rude, Boris é um monstro afável e vendo o pequeno elfo ferido, decide acalmar-se e leva-o ao curandeiro local, onde lhe é recomendado que fique em repouso durante alguns dias.
– Temos que pedir ajuda em Trinity, eu não posso ficar aqui durante tanto tempo. Eles precisam de ajuda. – Apela Nimo.
– Calma, pequeno falante, conheço quem vos pode ajudar a encontrar os vossos amigos. – Continua Boris.
É então que o gigante chama a pequena fada de farpela azul, Miriam, que apesar de continuar a rir-se dos jovens, decide ajuda-los. Como Nimo não consegue andar, apenas Steph a acompanha, que sempre em tom de troça, conta piadas sobre os perigos da floresta e em como vários elfos já tinham sido engolidos por aves esfomeadas.
– É ali que os teus amigos estão, menos a outra, a ruiva de cabelos encaracolados. Essa ainda anda à procura, coitada. Ahahah! – Quando se estava a preparar para fugir, Steph agarra-a com violência:
– Vais trazer a princesa Liah até aqui sã e salva! – Intima.
A pequena fada completamente aborrecida procura a bela ruiva e trá-la até ao recinto, onde Steph a espera ansioso e inquieto. Cumprida a missão, Miriam, vai-se embora completamente calada e aborrecida, deixando os dois amigos em frente ao casarão onde se encontra o casal. O casarão é feito de algodão doce, e tem uns barulhos festivos à volta. Quando entram, vêm Syria e Neon amarrados a uma árvore enquanto umas penas gigantes e automatizadas lhe fazem cócegas. À volta, criaturas encapuzadas grunhem e dançam como se de um ritual se tratasse. Liah, reconhece os grunhidos e garante que são os mesmos que atormentam Trinity. Sacam os arcos e as tochas e correm em direcção às criaturas para as abater. É então que Syria berra.
– Não! Não façam isso! Não os matem, tirem-lhe os capuzes e vão perceber. – Argumenta.
– Mata-os Liah! – Insiste Steph.
Liah decide aceder a Syria e aproxima-se de uma das criaturas, que completamente apavorada, não se consegue mexer, tirando lhe assim, o capuz.
Afinal a enigmática criatura é apenas um grupo de duendes em busca da felicidade. Procuravam todas as noites, elfos que pudessem servir de cobaias para a máquina do riso inventada por eles, porém nunca o tinham conseguido fazer, decidindo assim atrair os elfos até à floresta.
Sabendo que se contassem aos habitantes de Trinity a real história e que os duendes não foram castigados, o povo iria querer vingança, por isso, o grupo jura segredo e promete nunca contar o que aconteceu, na condição de deixarem o seu povo em paz. Aceitada a proposta, os guerreiros voltam para a sua terra.
– A criatura morreu? Voltamos a ter paz? – Gritavam os elfos.
– Nada encontramos, mas agora sabemos que não há nada a temer. A paz voltou! – Gritou Neon de felicidade.
Apesar de desconfiados, os habitantes decidem confiar no grupo. Porém dias mais tarde, Trinity é uma vez mais perturbada. Em busca de protagonismo o falso Steph decide quebrar a promessa e contar ao povo toda a aventura vivida. Não tendo a história sido confirmada pelos restantes protagonistas, Steph, tal como aconteceu ao Mago Zuí, é desacreditado, vaiado e expulso da comunidade por ser julgado louco.
Enraivecido e descontrolado desloca-se até Sabannah para se vingar, culpando o mago por tudo o que lhe acontecera.
– A única besta és tu! Viste no que me tornaste? Todos dizem que sou como tu e não é verdade! Tu és louco! Tu fizeste-me ficar louco e eu não sou como tu!
Sem discurso coerente, continua a gritar enquanto o mago apenas graceja, ri bem alto, com gargalhadas convictas, irritando-o cada vez mais. Foi então, que começou a correr em direcção a Zuí, com uma faca do mato, matando-o! Louco, foge para meio do mato, onde nunca mais foi encontrado.