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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Rubrica Semanal - Eu tenho um melro dos Deolinda

Deolinda.jpg

 

E a rubrica desta semana, incide sobre a música "Eu tenho um melro" de uma banda que eu admiro de coração, os Deolinda.

 

 

 

Quem conhece o reportório dos Deolinda, e já parou para ouvir verdadeiramente os poemas que interpretam, saberá com certeza que as suas músicas estão carregadas de metáforas, como tal, este melro não será verdadeiramente um melro. Aos meus olhos, este melro é um homem e ainda por cima é um homem com um agá bem pequenino.

Ora então vejamos como faz sentido.

Eu tenho um melro / que é um achado. / De dia dorme, / à noite come / e canta o fado. / E, lá no prédio, / ouvem cantar... / E já desconfiam / que escondo alguém / para não mostrar.

A Deolinda inicia a história dizendo o que o seu "melro" faz maioritariamente com o seu tempo: come, dorme e diverte-se. Só por aqui não deveríamos ter qualquer dúvida de que se refere a um elemento humano do sexo masculino, poderia também referir-se a uma criança, é verdade, mas pelo desenrolar da história veremos que é um homem adulto.

 

Para os mais cépticos, atentem quando ela indica que tem "alguém". De acordo com o dicionário de língua portuguesa o pronome indefinido "alguém" é utilizado como referencia a alguma pessoa. Sendo pessoa, e não sendo uma melra (podes ir ao dicionário que o termo existe), é uma pessoa do sexo masculino. Este melro é então o namorado da Deolinda, que o mantém escondido em sua casa, provavelmente por ele ser extremamente mulherengo e esta temer perdê-lo.

Eu tenho um melro, / lá no meu quarto. / Não anda à solta, / porque, se ele voa, / cai sobre os gatos. / Cortei-lhe as asas / para não voar. / E ele faz das penas lindos poemas para me embalar.

O medo que a Deolinda sente de perder o seu amor, volta a estar patente nas  estrofes seguintes, uma vez que ela refere que o mantém cativo no seu quarto para que ele não caia "sobre os gatos", que é como quem diz, para que ele não se enrole com as galdérias que andam por aí à solta. A Deolinda indica-nos ainda que fez os possíveis para que ele nunca abandone este lar e ele aparentemente não vê nisso um problema, pois até fez "das penas lindos poemas" para a embalar. Claro está, amplamente conhecido, os homens têm um dom: dizer e fazer o que as mulheres querem para as iludirem. Como tal, poderei aqui também concluir que ele canta a canção do bandido à Deolinda.

Melro, melrinho, / e se acaso alguém te agarrar, / diz que não andas sozinho / que és esperado no teu lar. / Melro, melrinho / e se, por acaso, alguém te prender, / não cantes mais o fadinho, / não me queiras ver sofrer. / E não voltes mais, / que estas janelas não as abro nunca mais.

Ciente das dificuldades que algumas mulheres gostam de criar nas relações alheias, a Deolinda faz um pedido ao seu melro, um pedido de amor: que independentemente de tudo do que as outras façam, que ele resista, que reforce que é comprometido e que não ceda à paixão de mais ninguém. E faz-lhe um aviso. Que se ele optar por a trocar, não adianta arrepender-se porque as portas de sua casa, nem do seu coração se abrirão mais, nem para ele, nem para ninguém, devido à desilusão que sofrerá.

Eu tenho um melro / que é um prodígio. / Não faz a barba, / não faz a cama, / descuida o ninho.../ Mas canta o fado / como ninguém. / Até me gabo /que tenho um melro / que ninguém tem.

É maravilhosa a capacidade de nós, mulheres, vermos para além do obvio e vermos o lado positivo em vez do negativo. O melro da Deolinda é um homem com diversos defeitos, e apesar de ser uma pessoa bastante descuidada, ela vê nele um homem maravilhoso, admirando-o e contando sempre às amigas o que ele faz de melhor.

Eu tenho um melro... / (- Que é um homem!) / Não é um homem... / (-E quem há-de ser?!) / É das canoras aves / aquela que mais me quer./ (- Deve ser homem!) / Ah, pois que não! / (Então mulher?) / Há de lá ser!? / É só um melro / com quem dá gosto adormecer.

Nestas estrofes, podemos perceber por que é que a Deolinda decidiu chamar de melro ao seu homem. Percebe-se através da frase "É das canoras aves, aquela que mais me quer" que esta mulher tem uma autoestima um pouco molestada, e acreditando não ser uma mulher com grande valor, acha que não será qualquer homem que gostará dela, sendo este então a chamada "ave rara" que a ama. E isto para ela é tão especial que não quer pôr nomes, não importa se é homem ou se é mulher, no fundo, não é nenhum dos dois, porque aquele é só dela e não cabe em nenhuma categoria, e é isto que faz a relação deles tão especial.

Melro, melrinho, / e se acaso alguém te agarrar, / diz que não andas sozinho / que és esperado no teu lar. / Melro, melrinho / e se, por acaso, alguém te prender, / não cantes mais o fadinho, / não me queiras ver sofrer. / E não voltes mais, / que a tua gaiola serve a outros animais.

Deolinda, no fim da música sofre uma transformação. Deolinda que era uma mulher triste, amante do fado, muito apegada ao seu melro, desenvolve e a aprimora a imagem que tem de si e transforma-se numa mulher mais segura, mais confiante, mais independente e percebe o quão bonita é, e o quanto pode ser amada por outros, caso este melro voe para outra janela. Assim, diz ao seu melro que se ele for embora, as janelas de sua casa e do seu coração serão novamente abertas e que ele escusa de voltar porque ela encontrará um outro amor. 

 

Concluo com este maravilhoso poema que as mulheres são realmente um ser maravilhoso que encontram forças dentro de si que julgam por vezes que nem existem, e que por vezes só descobrem as suas capacidades internas quando a vida assim o exige. Alguns homens poderão também concluir que somos um tanto ou quanto controladoras e exigentes, mas isso só faz de nós mais especiais.

 

P.S.: Claro, que este ser, pode realmente ser apenas um melro, e tudo isto ser apenas especulação. ;)

 

See you*

 

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