Sobre a morte... Sobre o amor...
Sempre pensei que tinha medo de morrer. Não na adolescência, que aí desejei morrer algumas vezes e essa ideia não me assustava, de todo. Mas vivi uma grande parte da minha vida com medo de morrer. Não pelo medo de sofrer, mas pelo medo de simplesmente deixar de existir.
Lembro-me bem, quando aos 6 anos de idade, engoli pela primeira vez uma pastilha elástica, e que por isso, estava convicta que tinha apenas umas horas de vida. Não chorei, não contei à minha mãe nem ao meu pai. Estava no entanto apavorada. Sentia, apesar de tenra idade, que iria perder tanta coisa, coisas de adultos, que ainda não sabia o que eram, mas cuja curiosidade me assaltava constantemente. Lembro-me de dizer à minha mãe, muito triste, que não queria brincar mais e que queria ir dormir. "Mas tu já não dormes a sesta..." disse-me ela. Pois não... mas naquele momento eu queria ir dormir para aquele tormento passar rápido. Lembro-me de tentar dormir e de não conseguir, de pensar que esta coisa da pastilha elástica se colar à garganta e nos sufocar que era demorado para caramba, e eu estava quase era a morrer de desespero por nada acontecer... Depois, lembro-me que me esqueci que ia morrer, quando o meu pai chegou nesse dia a casa com um brick game. É bom ser criança, os problemas valem o que valem...!
Depois passei a ter medo de velocidades e de tudo o que era radical... Fico sempre com a sensação que algo vai correr mal e me vou espatifar toda... Descubro assim, quase aos 28 anos, que não tenho afinal medo de morrer. Tenho sim, medo de sofrer, e medo que as pessoas e animais que me rodeiam morram, porque isso me faz sofrer. Descubro por isso que o meu medo da velocidade, dos desportos malucos, não vem do medo de morrer, mas do medo de me espatifar toda mas ainda assim sobreviver, e ficar entravada para todo o sempre. Ou então estar acompanhada por quem amo e a outra pessoa não sobreviver. "Sofre quem cá fica" foi sempre o que ouvi dizer.
Paulo Coelho diz num dos seus livros, não importa agora para o caso qual, que queremos viver para sempre para convivermos mais um dia com a pessoa que amamos, e eu concordo totalmente. Quando mais pessoas não nos restarem, então só nos resta aguardar que esse bicho de negro e de capuz nos leve... e imagino, que a ideia de morte nos deixe de apavorar.
Seria por isso mais fácil viver sem amor? Sem essa glândula, sem sentimentos? Não diria que seria mais fácil, diria que se isso não implicasse a perda de respeito pelo outro, que a vida seria menos penosa. As pessoas, os animais, as plantas... morriam, enterravam-se e ponto final. Sem dor, sem lágrimas, sem pesares. Se o amor fosse uma glândula, cada pessoa poderia escolher como queria viver: com o coração, ou com a cabeça. Eu escolheria a cabeça! Sempre vivi com o coração e isso não me tem trazido grandes alegrias. Vejo, no entanto cabras e cabrões sem sentimentos nem coração a pavonearem-se emproados. Escondem o que sentem? Pois é possível, mas no fundo convivo com a ideia que não, que são mesmo assim.
Perder-se-ia o encanto de viver? Perder-se-ia pois, mas se calhar existiriam outras coisas, outros encantos. Não haveria casamentos - não que isso implique o amor... - mas também não existiriam divórcios - porque o que não existe nunca acaba. As relações de amizade basear-se-iam na confiança, na lealdade e no respeito, basear-se-iam na moral, não no amor.
Acho que assim seria mais fácil viver... e morrer!