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Desabafos da Mula

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos.

Desabafos da Mula

Será que estamos a desvalorizar o virus?

Ou serei só eu?

Imagem retirada daqui

 

Enquanto trabalhei em casa sempre tive imensos cuidados no que toda a proteger-me do vírus. Quando vinha à rua, para ir ao supermercado ou algo semelhante, sempre desinfetei as mãos cuidadosamente depois de tocar em algo que não era meu, quando entrava no carro, ou seja, quando estava fora da minha bolha protegida. Já foi tempo, inclusive, de me despir à entrada da casa, e de ter roupa específica pronta para ir para a guerra, literalmente.

 

Em Novembro fiquei desempregada, e entre isolamentos profiláticos e recolheres obrigatórios quase não saí de casa entre Novembro e Fevereiro. Estive sempre protegida sem grandes preocupações. Em meados de fevereiro recomecei a trabalhar, e ao início confesso que foi bastante complicado. Em primeiro lugar tive de me habituar a algo que mais de meio globo já estava habituado, mas que eu não: Usar máscara durante 8h. Em segundo, o pânico de tocar em coisas, em tantas portas, em computadores que não eram meus, em canetas que as pessoas ainda não se habituaram a não partilhar, entre outras situações que para mim eram complicadas. Andava sempre com o meu gel na mão, desinfetava as mãos centenas de vezes ao dia, assim como a minha caneta sempre que ma pediam emprestada. A minha pele gritava. 

 

Com o tempo as coisas tornaram-se mais fáceis (?) e direi até que com o tempo, em vez de me habituar às rotinas de toca-desinfeta, comecei a desleixar-me. De tanto andar para cá e para lá, de tantas portar abrir e fechar, de com tantas pessoas ter de lidar o pânico deu lugar a uma calmaria estranha. Já não desinfeto as mãos com tanta frequência - também é verdade que não as levo à cara, que isto de trabalhar de óculos e de máscara não deixa grande espaço para acidentes -, mas a verdade é que se por um lado já não vivo com o pânico do incerto, ainda que continue assustada com as notícias que não nos levam a um porto seguro, por outro lado acho que estou desleixada. Claro que continuo a desinfectar as mãos várias vezes ao dia - mas não tantas quanto deveria - e o gel ainda é meu aliado e está sempre próximo, mas...

 

Isto deixa-me a pensar: No fundo é isto que faz com que os números aumentem, certo? Serei a única a começar a desleixar-me? Será generalizado? É por preguiça ou simplesmente por cansaço?

Quando uma negativa nos traz felicidade

Ainda que tudo o resto me dê vontade de arrancar cabelos

imagem retirada daqui

 

 

Sempre fui boa aluna e os testes negativos - quando aconteciam, e aconteciam! - causavam-me sempre uma enorme tristeza e frustração. A minha mãe sempre me motivou a ser melhor, e a dar sempre mais. Mesmo as boas notas nunca pareciam ser boas o suficiente e quando eram... Eu não fazia mais que a minha obrigação. Pois claro que não, um dia que seja mãe, filho meu levará com a mesma resposta. Isto desenvolveu o meu espírito competitivo - que é mais desenvolvido do que desejaria, confesso - e o meu mau feitio perante uma derrota. Não tenho, propriamente, de ser a melhor, mas gosto de ser muito boa em tudo aquilo que faço. Odeio respostas negativas, não gosto de ser desapontada ou contrariada.

 

A nova situação mundial veio demonstrar que há situações em que é bom ter negativas e hoje recebi um teste negativo ao qual levantei as mãos aos céus e agradeci.

 

A minha mãe está em isolamento faz hoje uma semana. Testou positivo ao teste da covid-19 e desde então tem sido um verdadeiro sufoco aqui em casa. Os cuidados são mais do que muitos e sempre me parecem poucos. A pele das minhas mãos estala de tantas vezes que são desinfetadas e as máscaras vão desaparecendo rapidamente da embalagem.

 

"Desinfetei a maçaneta da porta da cozinha?"

"Desinfetei as mãos? É que toquei no tabuleiro!"

"Toquei na máquina de lavar a loiça, antes ou depois de desinfetar as mãos? Vá, mais um pouco de lixívia não faz mal!"

 

Os dias não têm sido fáceis.

 

Os dias não têm sido nada fáceis...

 

Eu que sempre fui independente estou a depender de terceiros para poder comer, estar medicada e até para estudar - comecei uma formação no dia de ontem e precisei de uns documentos que não tinha como imprimir. É nestas alturas que vemos quem temos do nosso lado. E quem eu achava que tinha... Não me desiludiu! O meu grupo restrito de pessoas do coração - como gosto de lhes chamar - é incansável na preocupação e nunca me faltou nada desde o primeiro dia que fiquei em isolamento. 

 

"Deu negativo hoje. O teste foi realizado há dois dias... E hoje, será que continuo negativa?" as perguntas na cabeça andam à roda e são mais que muitas. Qualquer sensação de dor de cabeça ficamos em alerta. Já senti a garganta a ameaçar de dor várias vezes, nunca se concretiza. Já senti a temperatura a subir, ao ponto de ter subido realmente. É psicossomático. Tenho de ter noção de que é psicossomático e controlar-me. Há vários dias que não me sinto a 100%, mas também não seria suposto estar, correto? O stress é mais que muito, o desespero de estar só - e ao mesmo tempo não estar - nesta casa tão grande é horrível. A minha mãe ali encerrada no quarto há 8 dias parte-me o coração, ver que ela não está bem e não poder reconfortá-la de uma forma humana parte-me a alma em mil pedaços. Sou péssima dona de casa e agora tenho de ser dona de casa e mãe. Mãe da minha mãe, de dois gatos carentes e de um cão que passa mais tempo no veterinário do que a correr no jardim.

 

Sinto-me presa com tanto para fazer lá fora. Consultas no veterinário adiadas, a minha vacina adiada, a minha marcação com o centro de emprego adiada, almoços marcados adiados. Sinto-me desesperada a viver um inferno - que poderia ser pior, bem tenho essa consciência - sem que nada possa fazer.

 

"Temos de ver o lado positivo da coisa, Mula, tu estás bem!"

 

Sim, eu estou bem e tendo em conta que sou asmática a coisa poderá correr muito mal quando chegar a minha vez  - não creio que continue a conseguir escapar por entre as gotas de chuva como até agora, durante muito mais tempo - e o outro lado positivo é que o tabaco acabou, e eu não fumo há quase uma semana, e estou a aguentar-me muito bem, por isso palminhas para mim, que estou a retirar coisas positivas da merda da situação e deste vírus que não nos larga do pé... Ou dos pulmões, neste caso.

 

Mas é incrível isto não é verdade? Tanta proteção nos supermercados, tantos pacotes massajados com álcool antes de serem guardados nos armários, tanto pepino amokinado antes de ser aprovisionado no frigorífico para depois o vírus estar ali, na pessoa que mais amamos, ali no quarto logo ali ao lado sem que nada possamos fazer...

 

E é isto a vida... Não que eu achasse que isto só toca aos outros e bla bla bla, que nunca achei mas... Dava os dois dedos mindinhos do pé para não estar a passar por isto, essencialmente agora que estou ainda mais desprotegida, desempregada... É que... Como sempre vem tudo de enfiada.

 

Tive sorte com o meu teste mas... Dizem que não há duas sem três: Qual será o terceiro azar?

Desabafos do quotidiano, por vezes irritados, por vezes enfadonhos, mas sempre desabafos. Mais do que um blog, são pedaços de uma vida.