Teletrabalho
Afinal trabalhar em casa é possível
Vim de requitó para casa trabalhar a 12 de Março de 2020. Assim, de repente. Ouvia-se uns zunszuns no ar, mas nada fazia prever que era já nessa semana que iríamos ficar em teletrabalho. Na altura pensei que ficássemos em casa cerca de um mês, dois no máximo. Passaram-se quase 8 meses desde então! Do trabalho no escritório quase não tenho memória.
Sei que há muita gente que não é adepta, que não tem as condições necessárias para trabalhar devidamente em casa, mas eu tenho a dizer-vos que gosto, que atualmente gosto muito, apesar de já ter passado por várias fases de amor-ódio, essencialmente porque as expectativas foram um pouco defraudadas...
Expectativa: Trabalhar no sofá, enquanto bebia chocolate quente (ou vodka, mediante a estação do ano) e assistia às minhas séries favoritas.
Realidade: Nem tentei, já que preciso de dois monitores para trabalhar e um espaço confortável para espalhar as minhas tralhas. A atitude mais rebelde que tive foi mesmo beber uma somersby ao lanche no pico do verão enquanto trabalhava. A televisão durante estes 8 meses esteve sempre desligada porque incomoda e distrai e apenas a minha música soava - mas já no escritório trabalhava com música.
E depois de defraudadas as expectativas, vejamos as fases por que passei:
Fase 1 - Primeiras duas semanas em teletrabalho.
As minhas costas odiaram o teletrabalho, os meus joelhos também - que estavam, e estão, atracados numa mesa relativamente pequena - e os meus pulsos começaram a dar sinais de tendinites e afins. Já a minha alma estava a adorar. Logo eu, que odeio trânsito e odeio acordar cedo. Estava radiante por poder acordar 15 minutos antes de começar a trabalhar e trabalhar de pijama. Abaixo com a ditadura da roupa formal de trabalho! Na altura as reuniões ainda eram apenas por voz, por isso estar de vestido de gala ou com o meu pijama do grumpy bear era igual e eu sou mais da team do grumpy bear.
O grande problema desta primeira fase é que eu estava aborrecida, não podíamos sair de casa, o estado de emergência já tinha sido declarado, as minhas viagens canceladas e então comecei a trabalhar sábados e domingos - por minha opção. Abdiquei das minhas férias. Descanso zero. Comecei a olhar o teletrabalho com outros olhos. Começou a desagradar-me.
Fase 2 - Após as primeiras duas semanas e durante dois (e até talvez um pouco mais) meses.
O meu corpo começou finalmente a adaptar-se.
Como percebi que iria ficar mais tempo em casa do que o previsto, optei por comprar um teclado e um rato sem fios para estar mais confortável, procurei melhorar a minha cadeira de escritório e comecei a trabalhar tranquilamente. Entretanto a empresa colocou-me em lay-off parcial que implicou uma grande redução de salário mas pouca redução de horário, e aí tive uma pequena revolta interna - se achavam que não havia trabalho para me manter a trabalhar as 8h com o meu salário, também não iria dar um minuto a mais que fosse -, e ganhei juízo e deixei de trabalhar aos fins-de-semana, ou de dar horas a mais ao final do dia, estivesse aborrecida o quanto estivesse. Foi quando descobri o bendito do Netflix.
Confesso que esta fase começou a ser complicada. Se ainda me agradava trabalhar de pijama ou de fato de treino e acordar apenas 15 minutos antes, a verdade é que estava a ficar saturada e desesperada por estar em casa. O meu dia era passado integralmente em casa: trabalhava em casa, descansava em casa, os meus momentos de pausa e lazer eram em casa. O meu tico e o meu teco começaram a entrar em desespero. Eu queria sair de casa, queria ver gente, falar com gente, fazer qualquer coisa fora destas quatro paredes, ir ao ginásio, por isso até já estava disposta abdicar do privilégio de dormir no quarto ao lado do atual escritório e da poupança de combustível e queria ir para a sede, eu queria que a quarentena terminasse e ir trabalhar normalmente. Passei, por isso, a ficar inquieta. Não estava bem dentro de casa, não estava bem no jardim, não estava bem deitada, não estava bem em pé... Foi quando comecei a dedicar-me ao desporto para contrariar o estado de constante repouso do meu corpo. Passei a treinar em casa. As coisas começaram a melhorar. Comecei também a melhorar quando comecei a sair de casa para fazer caminhadas. Abrir aquele portão e sair, nem que fosse apensas para caminhar no meio do monte, tornou-se terapêutico.
Mentalmente piorei, quando a minha chefe declarou que a minha formação tinha de continuar - à distância, por videochamada - apesar de "ter tempo" quando estava na sede, porque a chefe queria que eu fosse aprendendo aos poucos... Mas de repente tudo mudou e passei a ter de aprender tudo, à distância, em apenas uma semana e meia! Porquê? Não sei, ainda hoje não sei. Mas fiquei surpreendida quando percebi que era possível e que tinha, afinal, corrido tão bem, apesar do meu pânico.
Fase 3 - Atual
Terminou o estado de emergência, comecei aos poucos a desconfinar - com juízo, claramente - e lembro-me bem da sensação de me ter sentado na esplanada pela primeira vez a beber um tango e a comer tremoços. Era como se estivesse no Ritz a beber Moët & Chandon! O Rio Douro até parecia menos poluído e mais brilhante! Percebi que o meu ódio pelo teletrabalho não era pelo teletrabalho, era pelo confinamento. Assim que pude separar o meu tempo de trabalho do meu tempo de lazer as coisas começaram a correr muito bem e hoje não quero sair de teletrabalho. Habituei-me a este novo ambiente, às reuniões por videoconferência, aos petiscos a qualquer hora do dia, e acima de tudo, à minha casa de banho a qualquer hora do dia e os mimos dos meus gatos a toda a hora. É impagável.
Aprendi a gerir o meu tempo. Deixei de dar horas extras, obviamente que quando é necessário ainda o faço, como já o fazia no escritório, mas deixei de o fazer porque estava aborrecida e não tinha mais nada para fazer. Percebi que posso ser mais produtiva em teletrabalho porque não tenho tantas distrações, tanto barulho de fundo, tantas portas a abrir e a fechar. Reduzi, para quase zero, o número de cigarros que fumo, porque já não tenho A ou B para me fazerem companhia nas pausas.
Foram várias as fases, e provavelmente até existiram variações entre elas mas é como tudo na vida, uma alteração de rotina implica um tempo de adaptação, e eu levei o meu tempo a adaptar-me. Mas a verdade é que no geral, sou igualmente produtiva - provavelmente até mais produtiva porque estou mais sossegada e com menos pressões -, igualmente competente e organizada, tal como era no trabalho. Sendo que, ainda por cima, estava neste departamento apenas há 3 meses quando vim recambiada para casa, tenho-vos a dizer que o teletrabalho permitiu-me autonomizar-me mais rapidamente do que se estivesse no escritório, porque as minhas colegas já não estavam à distancia de um atirar de lápis, as respostas não eram imediatas, e eu passei a ter de me "desenrascar" mais rapidamente - ainda que nunca me tivessem negado ajuda, atenção, mas é diferente.
Por isso sim, o teletrabalho é possível e sinceramente desejado nos dias que correm. Tenho noção que não tenho filhos aos berros pela casa, e que isso poderá ser mais um fator de amor-ódio para muitos de vós, mas também tive os meus quês, como aprender a trabalhar com os meus gatos a querem atenção e aparecerem-me no meio das videoconferências, por exemplo, e tantas outras situações que fizeram com que o teletrabalho fosse um pouquinho menos perfeito. Mas hoje gostava realmente que fosse uma realidade definitiva e não uma medida temporária.
Se eu pudesse escolher, escolheria ficar sempre em casa a trabalhar.
E vocês? Quem está em teletrabalho desse lado? Falem-me da vossa experiência.